terça-feira, 28 de outubro de 2014

Cozinha açoriana entre a tradicional e a de autor


Há quase dez anos anos que publiquei o livro “O Gosto de bem Comer”. Era um pouco ecléctico, com receitas minhas que revelavam influências diversas, embora predominantemente da cozinha francesa. Incluí um capítulo de “segredos de família” (curiosamente também muito afrancesados) e um capítulo de cozinha tradicional micaelense, recolhas trabalhosas de mim em jovem.
Entretanto, fui estudando tendências da cozinha, principalmente nos seus fundamentos históricos e afastei a possível influência de algumas modas. Por exemplo, a desconstrução. Não me satisfaz saborear separadamente os ingredientes e condimentos de um prato, quando eles são "sinfónicos". Também só me agrada a cozinha de fusão quando nela encontro fundamentos históricos e culturais. Com isto, gosto mais de criar  fazer "cozinha de reconstrução". 
Nos últimos anos dediquei-me ao exercício de inventar receitas de “elaboração erudita”  da cozinha açoriana ou de fusão quando ela tem fundamento histórico: a passagem de vegetais do Brasil para África, com descarga nos Açores, as especiarias hoje marcantes na cozinha açoriana e comercializadas pelas naus da Índia na volta do largo, por Angra, as frutas trazidas dos confins pelos senhores cultos educados na Inglaterra que queriam fazer os seus jardins botânicos (não deixem de visitar, em S. Miguel, o Parque das Furnas, o Jardim António Borges e o Jardim José do Canto).
Dou por já quase um milhar de novas receitas inventadas. Não sei o que fazer. A edição comercial do meu livro resultou em dezenas de pessoas que ainda mo pedem mas está esgotado e a editora não o reedita. A alternativa é publicar o livro como e-book, já que não me adiantam muito os direitos de autor. Simplesmente, seleccionar e organizar o material ainda vai ser trabalho para meses.
Para abrir o apetite, descarreguem aqui o prefácio. Também provavelmente incluirei no livro o capitulo sobre cozinha açoriana do meu livro anterior. E tudo dedicado à minha avó Adélia, criadora de sabores que ainda hoje recordo com exactidão.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Jantar a 20 €

Não se pode pretender que uma refeição a 20 € (sem vinho), na Lisbon Week, represente um expoente culinário. Mas, nos últimos anos, fiquei cliente para testar restaurantes porque, voltando aos que me agradaram, encontrei qualidade que não conhecia. Foi assim, por exemplo, que ficámos devotos do Assinatura, conhecendo já três chefs. Um chefe que consiga a 20 € fornecer um jantar que agrade bem e que nos desafie a bem o fazer em casa, conseguiu vencer um bom desafio.
Este ano, fomos ao panorama do Sheraton, antes com Leonel Pereira, agora substituído pelo seu ajudante, Ricardo Simões. O mimo do chefe, uma sopa de morango, foi banal. A entrada, confesso que já não me lembro o quê, uns cubos de salmão fumado acompanhados já não sei com quê, não me impressionou, diferentemente dos pratos principais.
O bacalhau à Brás é completamente reformulado e distingue-se de coisas hoje vulgares (até à Avillez) que só são modificações minimalistas (por exemplo, mais gemas que ovos inteiros, ou fritura prolongada a lume mínimo, como sempre fiz). Neste caso, sobre uma base puré de batata visivelmente feito com água de escaldar o bacalhau, vinha um excelente lombo, escaldado (ainda há quem coza o bacalhau, que crime?) coberto com uma preparação à Brás muito conseguida: uma fritura de cebola, ovos batidos e batata palha. Para mim, faltou salsa picada e azeitonas no puré de base.
O outro prato, muito simples mas excelente, era de lombinhos de porco, tenrísimos, com um toque de ervas (alecrim? tomilho?), certamente cozinhados prolongadamente a baixa temperatura. A guarnição, muito boa, era simplesmente um misto de ervilhas, milho e uma brunesa de presunto e morcela.
Sobremesa de nível top: pudim de baunilha, creme de pêssego e um magnífico crumble de chá verde (um açoriano tem de tentar fazer bem isto, com Gorreana).
Voltaremos, quando eliminarem a sobretaxa do IRS.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Ketchup não é só de tomate

Nunca estive em nenhum dos restaurantes de Heston Blumenthal, mas tento às vezes imitar as suas criações. Uma coisa excelente é o seu molho de cogumelos, com base num ketchup de cogumelos, tradição inglesa muito anterior à do hoje vulgar ketchup de tomate. 
O molho é elaborado, embora não difícil, com base num extracto de suco de cogumelos salgados. Para o molho base, Heston pica os cogumelos, que devem estar inteiros e frescos, para não terem entretanto perdido líquido, tempera-os com bastante sal, encerra-os numa musselina e deixa a pingar para uma tigela, torcendo bem o saco de vez em quando. Consegue-se um líquido abundante.
O problema é quando se quer fazer o mesmo com outros ingredientes mais secos, como tentei com a malagueta da minha ilha. Acabei por acertar com uma alternativa de molho base, que vem noutra receita clássica de ketchup de cogumelos, no “Complete Cook”, de J. Sanderson, um clássico anglo-americano publicado em 1846.
800 g do ingrediente X (já experimentei com malagueta, pimentão, cebola e alho, funcho, banana, maçã), picado fino ou moído com toques breves do liquidificador, 70 g de sal grosso, 30 g de pimenta preta, 15 g de pimenta da Jamaica, 1 c. sopa de aguardente.Misturar X e o sal, tapar e deixar 2 dias. Juntar as pimentas, passar para um frasco com tampa e ferver a banho maria, 2 horas. Coar por pano, apertando bem e passar o restante no pano por uma passador de puré, aproveitando ao máximo o suco. Juntar a aguardente.
A partir daqui, seja qual for X, pode-se seguir a receita geral de Heston:
6 dl de vinho tinto, 3 dl de vinagre de vinho tinto, 1 chalota picada, pimenta preta, cravinho (ou pimenta da Jamaica), noz moscada, 2,5 dl molho base, 2 c. sopa de maizena diluídas em 1,5 c. sopa de água fria.Reduzir tudo, menos a maizena, até 1/2 ou 2/3. Engrossar a lume baixo com a maizena. Juntar os cogumelos (ou X) marinados, escorridos.Cogumelos marinados: aquecer 1,5 dl de vinagre de vinho tinto e 60 g de açúcar, até derreter o açúcar. Marinar 24 horas com esta calda 120 g de cogumelos laminados. Para além der se usar para o Ketchup de cogumelos, vão muito bem para outros usos.
Com os restos secos do molho base, bem escorridos, faço uma pimenta. Junto pimentas a gosto (essencialmente preta e da Jamaica), em boa quantidade, levo tudo a secar no forno e moo num homogeneizados potente.