terça-feira, 30 de maio de 2017

Comer em Barcelona (2)

A última nota foi sobre o Bravo 24, mas, numa semana inteira em Barcelona, apesar da tentação da oferta, não se pode estar sempre a comer em restaurantes estrelados ou de menu a 75 por pessoa. O que vale é que, com informação, se pode comer muito bem em alternativa.
Tenho pena de não ter registado um restaurante a que me levaram na minha visita anterior, profissional, à Universidade Pompeu Fabra. Ficava nas docas, perto da universidade. Lembro-me de lá ter comido um excelente arroz negro com cogumelos.
Desta vez, não podia deixar de faltar Los Caracoles, uma instituição, desde 1835 (creio que não há nada tão antigo em Lisboa). Fica no bairro gótico, no Carrer dels Escudellers, 14. Podem ver aqui a carta. Excelente cozinha tradicional catalã (nada de tapas), mas tudo um pouco prejudicado pela enchente de turistas, o ruído e alguma displicência no serviço. Em todo o caso, é uma experiência indispensável. Convém reservar.
Quase ao lado, La Fonda. Ementa talvez mais apetecível do que a dos Caracoles e ambiente muito mais tranquilo. Também muito boa confecção e preços acessíveis. A escolher entre os dois, preferia este.
“En passant”, o muito mau: todas as esplanadas das Ramblas. E também, na Praça de Catalunya, porque me deu jeito lá almoçar, um detesta Hard Rock muito pior do que o de Lisboa (antigo cinema Condes).
Mas também não podíamos esquecer as tapas. São em geral muito convencionais, como as comia nas minhas múltiplas idas profissionais a Madrid. Estão a modernizar-se, mesmo entre nós, como na barra do Corte Inglês, mas neste caso ainda muito longe do que experimentei em Barcelona.
Primeira referência para um “tapeiro” a que fomos duas vezes, tal a variedade de oferta, uma taberna basca, “Txapela”, na esquina da Praça de Catalunya e Ronda de Sant Pere, e também logo ao princípio do Passeig de Grécia. Uma lista interminável de porciones, pinchos, bocadillos, todos muito bons.
Todavia, “last but not the least”, nada ultrapassa o Tapas 24, praticamente na esquina do Passeig de Gràcia e o Carrer de la Deputacion. É para Carlos Abellan o Cantinho do Avillez, o restaurante barato e de lucro fácil que alimenta o restaurante de autor.  Imperdível! Cozinha a encher a boca, como deve ser um restaurante de petiscos que nos enche a memória gastronómica de infancia, da casa de família. Abellan é um grande cozinheiro, um tradicionalista com muita técnica e saber na adaptação da cozinha tradicional aos tempos de hoje.
Recomendo um livro que compramos: “De Tapas”, ISBN 978-1-4748-2947-2, que compramos na loja de La Pedrera (uma casa célebre de Gaudi). Temos estado a experimentar, com plena satisfação. Vou recomendar ao mesón do Corte Inglês…
E volto a coisa que refiro sempre. Não bebedor de álcool, aprecio muito a cerveja sem álcool espanhola que servem à pressão, muito melhor do que as nossas engarrafadas. Porque não cá?

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Comer em Barcelona (1)

Come-se muito bem em Barcelona mas com algum esforço. Nas principais zonas turísticas, Ramblas, Plaça de Catalunya, Passeig de Grácia, são os mesmos bares de tapas, ementas iguais, impressas com muitas fotos, e caros. Só como exemplo, uma cerveja numa esplanada pode ir a mais de 6 . Tudo mediano ou medíocre. Nunca comam nos inúmeros restaurantes/esplanada das Ramblas!
Mas é como em Lisboa, para o turista que queira comer na baixa, nas Portas de S. Antão ou em Belém. Lá como cá, para comer bem, é preciso procurar (os bons restaurantes estão muito dispersos) e agendar com antecedência. Com a net é hoje trabalho de crianças e vale bem a pena.
Mas indicativo de como se pode comer em Barcelona é o número de restaurantes estrelados, 21: 2 três estrelas, não contando com o Celler de Can Roca, bem perto, em Girona; 3 de duas estrelas; e 16 de uma estrela.
A refeição especial que fizemos foi no Bravo 24, no Hotel W, o projeto de alta cozinha de Carles Abellán que sucedeu ao Comerç 24, já encerrado. Não o conheci porque, da última vez que tinha ido a Barcelona, com pouca antecedência, não consegui lugar.
Abellán tornou-se famoso pela sua interpretação pessoal e moderna da riquíssima cozinha tradicional catalã. Como diz uma crítica, “Carles representa el nuevo paradigma de cocinero contemporáneo, preocupado tanto por la creación culinaria pura como por la reinvención de conceptos olvidados y por el desarrollo de negocios posibilistas. Técnica depurada, gesto preciso, mirada siempre inquieta, apertura mental, capacidad de gestión y liderazgo son algunas de las claves para entender como aquel joven y entusiasta cocinero del primer Bulli es ahora referente gastronómico nacional e internacional.
O menu do Bravo pode consultar-se aqui. Estranhámos que não houvesse um menu de degustação e explicaram-nos que a cozinha era muito sazonal e variável (o que não é convincente, porque então também o seria o menu à la carte). Mas, com muita simpatia, veio o chefe auxiliar combinar um menu que resultou muito bom; 75 , sem vinhos.
Começou por um simples croquete de galinha, quase que à portuguesa, sem o puré de batata das "croquetas" espanholas. Recheio excelente, a lembrar a cozinha das avós.
Depois, uma coisa aparentemente muito simples, mas de resultado na melhor forma de marisco simples que já experimentei: gambas assadas no sal, como se faz vulgarmente ao peixe. Todos os sucos e sabores mantidos, a encher a boca.
Voltando à cozinha de inspiração tradicional, uma "escachada" (salada de bacalhau cru) mas feita com bacalhau fresco ligeiramente curtido, cebola de curtume, tomate, puré de azeitona, pinhões e uma maionese ligeira.
Ainda tradicional e sem grande alteração a não ser uma técnica de cozinha mais ligeira, fideos com botifarras (chouriço normal e de sangue) e carne de porco. Os fideos normalmente são massa de tipo esparguete, mas aqui eram uma massa curta, relativamente estreita mas oca. Aparentemente, a massa tinha sido cozida, impecavelmente ao dente, com algum caldo de cozer as carnes.
Como peixe, um lombo de corvina muito bem frito em fundo de azeite, com legumes – ervilhas de casca, cenoura e milho bebés, couve – e lâminas finas alternadas de batata e tomate levadas ao forno. Tempero simples, de alho e manjericão.
O prato de carne foi uma pilota (almôndega grande) de boa mistura de carnes e muito bem temperada, com pinhões (repetição escusada em relação a um prato anterior), ameixa e alperce caramelizados e um molho tipo demi-glace, aparentemente com redução de Madeira ou algum outro vinho generoso, talvez espanhol.
A única relativa desilusão foi uma sobremesa de tarte de limão (com massa muito seca) e sorvete de limão, com sabor uniforme e demasiado acentuado. Em compensação, vieram a seguir uns ótimos bolinhos tipo choux com recheio de chocolate preto líquido.
Café muito bom, com a recriação de uma receita catalã de chocolate com baunilha, do século XVIII. Serviço muito profissional e simpático, sem demoras.
Pergunto-me porque Abellán não conseguiu no Bravo a estrela que tinha no Comerç 24. Talvez por uma excessiva informalidade deste Bravo e principalmente por um ruidoso bar de tapas em pleno restaurante. É pena.

Continuarei na próxima entrada com outros restaurantes.