terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Cozinha molecular em casa

Nos últimos tempos, tenho-me divertido com experimentar algumas coisas de cozinha molecular, algumas das quais já minhas velhas conhecidas dos meus tempos de investigador em virologia molecular. De forma corrida e um pouco solta, vou dar nota de alguns produtos e seus usos. A intenção é mostrar que não é preciso ser-se profissional para se fazer alguma coisa razoável neste domínio, embora sem subir do chinelo.

Têm-me saído bem as esferificações, à Adrià. Vendem-se kits, mas até consigo arranjar os dois produtos muito facilmente, com os meus conhecimentos do mundo dos laboratórios. O produto a especificar é primeiro misturado com uma solução de alginato de sódio (muito usado pelos dentistas) a concentração final de 5-8 g/L, dissolvido a frio. Depois, é pingado, com pipeta de tamanho conveniente, para uma solução de cloreto de cálcio à mesma concentração. Simples, nada de mais para quem se possa assustar com o nome de Adrià. O único problema é ser conveniente ter uma balança de precisão, por não ser fácil pesar pequenas quantidades com uma balança de cozinha.

Também uso dois tipos de esferificação mais grosseiros, que peca por as esferas ficarem semi-sólidas e mesmo opacas. Em primeiro lugar, espessar o líquido com agar-agar a 1% (1 g por 1 dl da solução), dissolvido quase à fervura, arrefecido sem solidificar e derramado em gotas para água gelada. Outra forma é incubar bem pérolas de tapioca (sagu) no que se quiser – principalmente em função da cor – e cozer até ao dente.

Falando de agar-agar, cada vez o uso mais para geleias. Como vantagens, um bom controlo do grau de solidificação (doseando entre 0,3 e 1%, em média 0,5%), solidificar à temperatura ambiente, sem precisar de ir ao frigorífico, e resistir ao reaquecimento.

A glucose líquida, vendida como um xarope muito grosso, é uma mistura de açúcares e é usada com vários fins: reduzir o teor de glicose em sobremesas para diabéticos, preparação e conservação de compotas e geleias, diminuir o ponto de congelação de gelados, evitando que derretam, etc. Não uso frutose, por a literatura ser contraditória em relação aos seus efeitos no caso de diabéticos. Preciso de estudar mais isto, porque os nutricionistas não me têm sido muito úteis quanto a isso.

Outro açúcar que uso é o isomalt, à venda nas casas de produtos de pastealria, que resulta num coberto muito branco e relativamente brilhante, com a vantagem de, mais uma vez, reduzir a ingestão de açúcar. Outro produto cá na cozinha, fácil de adquirir, é a lecitina, que facilita muito a preparação de ares e espumas. Finalmente, a maltodextrina, que, batida num mixer com azeite, 1 g por 1 ml de azeite, eventualmente misturado com corante, o transforma em pó. A fécula de mandioca faz um efeito semelhante, mas fica um pouco húmida, melhor se a seguir seca no forno e desfeita em areia.

Como fornecedores, sugiro, conforme os produtos, a César Castro, o Celeiro dietético, as lojas My Cake ou mesmo os bons hipermercados, além da compra online.

P. S. (22:57) – Esqueci-me do bitartarato de potássio (cremor tártaro), para estabilizar as claras batidas em castelo. 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Vale a pena

Não me importo de fazer publicidade (gratuita) quando ela merecida e pode ajudar os meus leitores a darem por coisas que desconheciam. Hoje vão três exemplos.

1. Tanto quanto a crise permite, sou cliente da César Castro. É uma casa de artigos de hotelaria bem estabelecida no Porto mas que só recentemente abriu uma loja em Lisboa, na Av. 5 de Outubro, 26B. Não se assustem por dizer que é de hotelaria, o que faz logo pensar em profissionais. De facto, tem uma ampla oferta de artigos domésticos vulgares e de coisas a nível intermédio, já a lembrar pro, para amadores com gosto pela técnica. O catálogo é vasto, o que faz com que, frequentemente, se tenha de esperar pela encomenda. E não é cara.

Tem duas secções, uma de mesa e outra de cozinha. Na de mesa destaca-se uma boa variedade de louças não convencionais, das que estamos habituados a ver nos restaurantes, para apresentação imaginativa de entradas ou sobremesas, por exemplo. Da área de cozinha, dou exemplo de coisas que lá tenho comprado: um defumador a frio, uma balança de precisão para pequenas quantidades, uma peixeira para placa de indução, um termómetro electrónico para alta temperatura, uma luva de rede metálica, tipo talhante, película de ir ao forno, musselinas, sacos para o meu aparelho de vácuo, aparas de madeira para defumação, formas para moldar arroz, etc. Nada mau, como se vê.

2. Quanto está fechado para descanso o restaurante açoriano de Alfragide ;-) levo ao Espaço Açores os meus amigos que não conhecem a cozinha açoriana. Fica no mercado da Ajuda, na Travessa da Boa Hora à Ajuda. Lá pontifica, muito bem, o casal Alfredo Alves, com todo o seu domínio da cozinha das ilhas centrais, com realce para o seu Pico natal. Não obstante, também se estendem à Terceira, com uma alcatra de tipo popular (um pouco diferente, por mais rústica, da alcatra rica que descrevo no meu livro) e mesmo a S. Miguel, com uma versão “tecnológica” do cozido das Furnas, creio que feita da mesma forma que eu também descrevo nesse meu livro.

Vale a pena lá ir à quinta feira, para o bufê representativo da cozinha das ilhas do meio. De facto, é mais uma degustação, tendo de bufê apenas os comensais irem servir-se, já que a ordem e as quantidades são fixas. Tudo é surpresa para o continental, mesmo quando o prato parece o mesmo, como é o caso da morcela e linguiça que, nos Açores, têm tempero muito diferente do de cá.

Não podendo estar agora a explicar cada prato que compõe essa ementa de degustação, fica só a lista: linguiça e morcela com ananás e inhame; favas secas de molho de unha; polvo guisado em vinho de cheiro; atum assado no forno, com cebolada; torresmos de porco com feijão assado, à “calafona”; alcatra; fritos de Carnaval – filhozes, malassadas, coscorões. Recomendo.

3. Abriu recentemente na zona de restauração do Colombo um pequeno espaço que ainda vejo, lamentavelmente, com pouca clientela. É imerecido, porque o conceito é inovador, pelo menos para mim, e a confecção é muito boa. Trata-se da “Merenda Portuguesa”. Para além de sopa e sobremesas, o essencial é a merenda. Aquecido na hora, o elemento comum é uma espécie de caixa de pão, com uma única abertura, onde se despeja um recheio de entre uma boa variedade de pratos tradicionais portugueses ou muito conhecidos: frango na púcara, carne de porco à alentejana (com amêijoas mas descansem que descascadas…), bacalhau espiritual, salsicha com couve lombada, peru com ananás e funcho, farinheira com ovos e feijão verde, rolo de carne com queijo, para além de um prato vegetariano.

Pode-se pedir acompanhamentos – como não o fiz, não me recordo agora quais. Para beber, além de águas, vinho a copo e refrigerantes, um muito bom sumo de groselha e um chá preto frio de boa qualidade, a meu gosto, sem adições de frutos. Preço acessível, ao nível da oferta em centros comerciais. Tem todas as razões para merecer que o experimentem, que mais não seja para variar de muitos outros que por lá estão, vira o disco e toca o mesmo.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Gramática da cozinha

Hoje vai uma pequena nota, que pode parecer inútil mas que pode ser decisiva para o sucesso de muita coisa na cozinha, por exemplo um molho. É coisa que tem a ver com cozinha e também com gramática. Digamos que coisa de gramática da cozinha.

Lembrei-me disto ao escrever a receita de uma preparação hoje inventada e ao ver que, em escrita rápida, dizia “reduzir 2/3”. Nunca se encontraram com isto? É enganoso, porque ambíguo. Se eu partir de 3 dl e reduzir 2/3 e sabendo que 2/3 de 3 dl são 2 dl, que quantidade devo ter no fim? 2 dl ou 1 dl? O problema é o da falta da necessária preposição. Reduzir a 2/3 (em inglês, “reduce to 2/3”; em francês "réduire à 2/3") quer dizer que o volume final deve ser 2/3 do inicial, portanto 2 dl.

Pelo contrário, como é a generalidade dos casos em que se omite a preposição, a fracção indica é a parte que é retirada do volume de partida. Reduzir em 2/3 (“reduce by 2/3”, "réduire de 2/3") significa remover por evaporação 2/3 do inicial, portanto 2 dl, ficando-se no fim com 1 dl. Não é difícil, pois não? Mas não me digam que isto não é uma dica útil.