terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Bife à café de Alfragide

Está longe de ser a primeira vez que escrevo sobre bife. Vale a pena mais? Certamente, porque quem não gosta de um bom bife e ganha com alguma troca de impressões e de experiências sopre esta coisa culinária tão simples e tão difícil? Vou por todos os bifes. Os meus favoritos são o bife à Marrare, o seu primo à café e o regional micaelense, mas não desdenho qualquer dos outros tradicionais portugueses, um bife com pimenta ou qualquer bom bife simples de óptima carne desde um T-bone a um bife argentino no churrasco.

Relembro o essencial. O bife à Marrare é um bife do pojadouro ou da alcatra frito em manteiga, juntando-se alho. Retirado o bife, acrescenta-se mais manteiga, tempera-se com sal e pimenta e faz-se o molho com leite. Acrescenta-se sumo de limão. Pode-se enriquecer esta receita, como faço, usando carne de melhor qualidade, rejeitando a gordura de fritar e fazendo o molho com leite e nata.

O bife à café é frito, genuinamente, em manteiga com alho. Junta-se mais manteiga fresca à manteiga de fritar os bifes e três colheres de sopa de leite em que se dilui uma colher de café de maizena ou fécula de batata. Deixa-se ligar mexendo sempre e acrescenta-se sumo de limão e uma colher de café de mostarda. Costumo usar um pouco de cerveja para levantar os sucos caramelizados, antes de juntar o resto para o molho. Também tempero com pimenta preta e pimenta da Jamaica, esmagada, e uma ponta de massa de malagueta micaelense.

O bife à micaelense (ou bife à regional)é um bife de lagarto (lombo, na nomenclatura micaelense) simplesmente frito em manteiga, com muito alho e uma tira de malagueta, fazendo-se o moinho com um pouco de vinho branco a levantar bem os sucos. Antes de fazer isto, costumo rejeitar cuidadosamente a manteiga de fritar, substituindo-s por manteiga fresca, sem se perderem os sucos. Também prefiro barrar o bife com massa de malagueta em vez de a usar em peça e tempero também com pimenta preta.

Hoje, não vou apresentar nenhuma criação especial. É apenas uma troca de impressões, na sequência de um bom almoço há dias, feito com esmero: uma variante pessoal de bife à café, a que, por ter sido feita em casa, chamei ambiguamente de bife à café de Alfragide.

Bife

Como não o faço todos os dias – até por restrições dietéticas – acho que um bom bife vale uma boa carne, mesmo em tempo de vacas magras. Pode-se usar outras carnes, as que os talhantes muitas vezes vendem quando se pede apenas carne para bife, como pojadouro, alcatra, acém comprido ou redondo, tudo carnes de primeira. Eu vou só pelo lombo (nos Açores, lagarto) ou pela vazia. No caso do lombo, prefiro que me cortem os dois ou três bifes de 2 cm de espessura que dá a cabeça do lombo, em vez dos bifes tirados da cauda do lombo. Os primeiros dão um corte mais transversal às fibras, ao passo que quanto mais estreita o lombo mais inclinado tem de ser o corte.

Não tenho pressa em os utilizar. Três ou quatro dias no frigorífico só lhes faz bem. Claro que também não os bato. Um bife de lombo que necessita de ser batido é estranho. Para fritar, ao contrário do que é moda dietética, prefiro manteiga a azeite, que, para meu gosto, dá ao bife um gosto enjoativo. Muita gente julga o contrário, mas não há prova provada dos alegados malefícios da manteiga, em pequena quantidade, como a que se usa só para fazer fundo da frigideira. Em todo o caso, mas também sem indiscutível fundamento, pode-se substituir a manteiga por margarina dietética de cozinha (não de barrar!).

Como toda a gente sabe, o aspecto crítico é o ponto da carne. Habitualmente, fala-se de mal passado (“rare”, para quem pedir no estrangeiro), ao ponto ou meio passado (“medium rare”) e bem passado (“well done”). Eu acrescento o um quarto de passado), em que o interior está bastante rosado e mole mas o bife já não deixa escorrer o suco sanguinolento. Quanto a tudo isto, é difícil de instruir com exactidão, porque depende muito do lume, do peso e espessura do bife e até da própria frigideira e das suas características térmicas. 

A título meramente indicativo, um bife mal passado está pronto ao fim de 3 minutos (metade de cada lado); um bife ao ponto ao fim de 2 minutos de selagem de cada lado e mais cerca de 3 minutos de fritura a menor temperatura; um bife mal passado é selado de cada lado durante cerca de 4 minutos, fritando a menor temperatura durante mais 6 a 8 minutos. Um truque é o de se avaliar do ponto pela consistência quando se pressiona o bife, comparando com a consistência da eminência ténar, a zona da mão que une o polegar ao pulso. Experimentem avaliar a sua consistência quando se une a ponta do polegar à ponta do indicador, do médio ou do anelar. Vai ficando cada vez mais dura. A primeira é do bife mal passado, a segunda do ao ponto e a terceira do bem passado.

A técnica mais fidedigna é a de medição da temperatura interior, por meio de um termómetro de agulha. Pode parecer estranho eu falar de tal instrumento, como se não fosse coisa de amador. De facto, é aparelhinho bem barato e que devia haver em todas as cozinhas. Veja-se a sua utilidade em assados. As temperaturas que indicam os três pontos – mal, médio e bem – são, respectivamente, 45º, 60º e 70º. O meu ponto é de 50º. Para verem qual o vosso e poderem sempre reproduzir a confecção, meçam a temperatura de um bife a vosso gosto imediatamente antes de o tirarem da frigideira (se o fizerem já no prato não é fiável, porque a temperatura continuou a subir).

Há outra coisa em que não sigo a técnica habitual, indo mais pelo uso mais recente. Tradicionalmente, selava-se o bife de uma só vez, primeiro de um lado e depois do outro, a lume forte. Depois, baixava-se o lume ou até se podia levar ao forno pré-aquecido a 140-160º. Eu dou-lhe uma fritura mais uniforme e sem ficar muito crestados seco por fora, sempre a lume alto, mas virando a cada meio minuto, desde o início.

Finalmente, duas coisas bem sabidas: sal já com o bife meio feito ou mesmo no fim, e flor de sal. Dar tempo ao bife, num prato fora do lume, para deixar sair o resto do suco, que se aproveita para o molho.

Molho

Reduzi a metade 2 dl de vinho branco com 2 dentes de alho laminados, uma haste de tomilho e só um pouco de folhas de estragão, bem como 6 grãos de pimenta preta e 4 de pimenta da Jamaica. Numa caçarola, a lume baixo, tostei 1 colher de sopa de farinha, mexendo bem, até ficar bem dourada mas não queimada. Deixei arrefecer e misturei bem com a redução de vinho e 1 dl de leite aquecido, levando a lume baixo e mexendo com varas até ficar aveludado muito espesso. Juntei 1 colher de sopa de geleia de carne (porque a tenho sempre, feita por mim pelo menos uma vez de quinze em quinze dias; de outro modo, pode-se usar 1 dl de caldo de carne bem concentrado) e deixei fervilhar, a aveludar, juntamente com o suco entretanto libertado pelo bife. Corrigi a espessura e os temperos e, no fim, sal (cuidado com o sal da geleia ou do caldo), 2 colheres de chá de mostarda, 2 colheres de chá de molho Worcestershire (molho inglês) e sumo de limão, a gosto.

Batatas fritas

Como mandam as regras, uso farinhentas, com alto teor de amido (Astérix, que eram as que tinha em casa, mas também Agria ou Desirée). Ao contrário do que se julga, não é obrigatório que tenham casca vermelha; por exemplo, as Agria são amarelas. Essencial é o grossura dos palitos, 1,2 cm e lavá-las muito bem.

Sempre fiz, como julgo que quase toda a gente, simplesmente introduzir as batatas numa fritadeira com temperatura regulada para 180º ou numa frigideira com óleo bem quente (o truque de um pedacinho de miolo de pão ficar dourado). Modernamente, os bons cozinheiros fritam em dois passos, primeiro a 150º, cerca de 5 minutos, escorrendo as batatas e acabando de as fritar, antes de servir, em óleo mais quente, a 180º. Ficam mais cozinhadas no interior e estaladiças por fora. Faço sempre assim, com muito bons resultados.

Mas se costumam ser bons, desta vez foram óptimos, seguindo a técnica de fritura em 3 passos de Heston Blumenthal: bem cozinhadas por dentro, com bela textura, e bem estaladiças. Dá trabalho, mas nunca tinha comido batatas fritas tão boas. Começa-se por se semicozer as batatas em água sem sal, só a fervilhar, durante 20 minutos. Depois de escorridas, vão ao frigorífico durante uma hora. O resultado é tornar a superfície dos palitos porosa, para deixar penetrar mais gordura no passo seguinte, de fritura a 130º, durante 5 minutos. A fritura seguinte é como na técnica anterior, a 180º. Nesta experiência, não confiei no termos tato da fritadeira e usei um termómetro de altas temperaturas para xaropes (não é o de baixas temperaturas que usei para o bife), controlando com cuidado a escala da placa de indução para manter estável a temperatura. Foi requinte de primeira vez, dá muito trabalho. Usarei a fritadeira, depois de testar se o seu termostato funciona bem.

Esparregado

Outro acompanhamento vulgar de bifes, e à medida das minhas necessidades dietéticas. tenho pouco a dizer. Faço-o frequentemente com espinafres mas o meu favorito, hábitos açorianos, é de nabiças. A técnica é básica. Usar só as partes verdes das folhas, escaldar durante um minuto em água sem sal a ferver bem, escorrer e lavar, ferver durante 15 minutos em água com sal, a ferver alto, com a panela destapada (uma colher de chá de bicarbonato de sódio ajuda a avivar o verde). Para saltear, o azeite, em pequena quantidade, é previamente aromatizado com alho laminado, a baixa temperatura para não queimar, e que se retira depois. Antes de saltear, as folhas de nabiça são picadas com duas facas, nunca de forma mais violenta (moinho ou misturadora). Para amaciar, nata qb. Pimenta branca e um pouco de preta, moídas a fresco, e é tudo. Como toque pessoal, gosto de polvilhar com amêndoa ralada grosso, para contrastar com o amargo.

E é tudo. Bom proveito e, em troca, mandem a vossa receita de bife à café de onde seja lá que for.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Se calhar, merecemos

Há poucas semanas, Miguel Esteves Cardoso (MEC) escreveu um artigo no Fugas do Público – 2 de Novembro – sobre “Deixem estar os mexilhões, os lingueirões, os berbigões e até as amêijoas e provem-nas antes de as disfarçarem”. Com aquele charme discreto da burguesia que MEC cultiva, a um ponto de fio da navalha arriscado, como na devassa que faz da sua vida íntima a propósito da doença grave da sua mulher, MEC, na pluralidade dos seus temas de escrita, também se quer fazer passar por gastrónomo.

Talvez seja, mas a nível de amador, de pessoa que gosta de uns petiscos e que anota umas dicas de bem comer passadas pelas suas tias de Cascais, agora em Almoçageme. Não é por se saber de uns queiiinhos frescos especiais, ou se ter um bom padeiro, ou se ter o privilégio de se conhecer a melhor cozinheira portuguesa (eu conheço muitas, não consigo individualizar a melhor) que se fica um verdadeiro gastrónomo.

Muito menos um mediático é, por obrigação, um bom cozinheiro. Creio que é parolice à portuguesa, que não encontro lá fora: as grandes receitas de George Clooney. Cá, vendeu-se que nem ginjas uma banalíssima colectânea de receitas de Miguel Sousa Tavares. Só falta o livro de receitas de José Rodrigues dos Santos ou da Mafalda da indignação com os manifestantes que perturbam os deputados. 

Lendo esse artigo de MEC, mais uma vez desconfiei da sabedoria culinária ou gastronómica de MEC, quando aconselha cozinhar os bivalves ao natural, isto é, abrindo-os e cozendo-os em água do mar. Claro que a sua água interior se perde, diluída. No meu livro, “Gosto de Bem Comer”, refiro o uso de água do mar para mariscos, mas é para cozer crustáceos, não para abrir bivalves.

Que a cultura gastronómica de MEC é pobrezita já o tinha visto pelo seu livro “Em Portugal não se come mal”. Não passou pelo meu filtro inicial, que é o de começar logo por ler o capítulo sobre os Açores. Foi por isto que fiquei logo rendido à “Cozinha Tradicional” de Maria de Lourdes Modesto e fechei logo o livro de MEC. Quem diz tanta asneira sobre a gastronomia nos Açores certamente também diz em relação a tudo o resto.

No entanto, nem tudo é criticável. No Fugas seguinte, MEC reproduz uma muito boa carta de correcção enviada por alguém que não conheço mas que evidentemente sabe do que fala, José Jordão, inclusivamente sobre a tal coisa de se abrirem os bivalves, ao natural, num tacho a seco. Ao menos, ninguém pode dizer que MEC não tem “fair play”. 

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Diabetes

Em Portugal, estima-se que haja cerca de 10% de diabéticos tipo II (adultos, não dependentes de insulina). Provavelmente mais. Eu sou um deles e, por solidariedade, devia tratar mais deste assunto neste blogue, porque a dieta é um dos vértices essenciais do triângulo terapêutico, dieta, medicamentação, exercício. 

Tenho um ficheiro Excel com uma extensa tabela de valores nutritivos de alimentos e de utilização prática, diária, para controlo da alimentação. Daqui a dias, publicá-la-ei aqui.

Hoje, fico-me por uma curiosidade, que também interessa todos os que relacionam exercício físico com emagrecimento. Já controlaram isso? Até há pouco tempo, o meu exercício, obrigatório para controlo da diabetes, era um grande passeio a pé, em amena conversa com a morena, mão dada. Com interrupções por mau tempo, não chegava e passei para o ginásio, também para reganhar alguma massa muscular que a sedentarização me estava a fazer desaparecer.

Há ideia de que o exercício se traduz linearmente em consumo de energia e emagrecimento. Não é verdade. Faço diariamente um km de marcha no tapete e 2,5 km de bicicleta, e vejo pelos aparelhos que isto, no total, me faz gastar 150 Kcal. Não é mais do que uma fatia de pão, ou duas batatas médias, ou um prato de sopa de hortaliças, ou um copo de vinho. Afinal o que é mais fácil e mais prático? Fazer esse exercício ou absterem-se de um desses alimentos?

Não é bem assim, a correspondência não é linear. Embora ainda não bem conhecido o mecanismo, o exercício tem efeitos fisiológicos para além do simples consumo de energia. Não é só questão de quilocalorias. Razão têm os que falam em “cardiofitness”. E a diabetes vai atrás.

Lembrem-se de que o ginásio custa muito menos do que o tratamento de consequências da diabetes – insuficiência renal e diálise, retinopatia e cegueira, neuropatia com risco de amputações.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Defumar em casa

Ainda me vou permitindo alguns luxos. Atitude de quem acha que é uma forma de protesto, “essa gente não me tirará o prazer da vida”, embora, claro, saiba que muita gente nem sequer hoje consegue ter meios para este protesto mais ou menos snob.

Recebi da César Castro (passe a publicidade merecida) coisa há tempos encomendada, um defumador para cozinheiro amador. Nada que se compare com as coisas de profissional, mas indispensável para quem quer – e pode – dar espaço à sua criatividade ou, mais simplesmente, ao ir na onda.

De facto, é muito ir na onda, uma onda relativamente recente, se não pensarmos em séculos de outra defumação, a dos nossos enchidos tradicionais. Mas, nesta entrada, não vou falar de produtos fumados em cru, prolongadamente, antes de produtos cozinhados e depois tratados com fumo. Merecidamente, vou chamar a atenção para as experiências neste campo do Assinatura, primeiro de Henrique Mouro e agora de João Sá, a quem agradeço vivamente algumas dicas que me deu sobre defumação.

Há duas técnicas principais, a defumação (ou fumigação, se preferirem, termo que considero mais correcto) a quente e a frio. A quente, o ingrediente é colocado num recipiente (já lá vamos) fechado, sobre um fundo de material combustível que, ao lume, fica em brasa, libertando fumo. A frio, os ingredientes são colocados em frascos ou cocotes herméticas para que se sopra, com o tal aparelho que comprei, um bom jacto de fumo.

Para defumar a quente, pode-se usar um tacho, uma panela ou um wok, em todos os casos com tampa e com boa capacidade. Para melhor limpeza, forrar o fundo com alumínio e pôr alguma quantidade – a experiência ensinará – de material combustível. Podem ser aparas de madeira ou outras coisas, como arroz integral, flocos de cereais, castanhas em lascas. Aromas, o que imaginarem: ervas, chás em folhas, frutos secos, azeitonas, alcaparras, sementes, mel, etc. Sobre isto, mas sem entrar em contacto, qualquer coisa que sirva para cozer a vapor.

A outra técnica, a frio, é para um mais ligeiro e subtil apaladar com fumo. Normalmente, coloco as doses individuais do prato já para ir à mesa em frascos tradicionais de compota, com anel de borracha e fecho metálico e sopro o fumo, para ficar durante alguns minutos até servir. Há utensílios um pouco mais elaborados do que o meu que permitem usar aparas de madeira de vários tipos. O meu só usa um ralado fino de faia, mas pode-se aromatizar com qualquer outra coisa.

Experimentem. Vale a pena.

domingo, 3 de novembro de 2013

Sou teimoso

Nota breve para os que me acusam disso e de ser convencido da minha razão. Almocei hoje no Café Lisboa (Avillez) um excelente bife à café; talvez, para meu gosto, o melhor dos que temos de oferta por aqui. E o molho não leva café!

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Manteigas

Em muitos restaurantes de alto nível – por exemplo, cá, o Belcanto – é vulgar o couvert incluir um misto de manteigas, a ir com as variedades de pão que também colocam na mesa. Outros restaurantes consideram isto de menor nível, condescendendo só em servir manteigas a quem pede (por exemplo, o DOP, no Porto). O único tri-estrelado a que já fui, Waterside Inn, também não serve manteigas. Pessoalmente, julgo que é coisa boa enquanto se espera pelo “mimo do chefe” (com uma flute de espumante bruto) ou para ir entretendo a boca entre pratos. Daí que, hoje, queira dizer alguma coisa sobre manteigas.

São coisa tradicional da alta cozinha francesa e há uma lista de variedades descritas por Escoffier, 36, e no Larousse Gastronomique, 34. Podem ser simples tratamento da manteiga, sem mais incorporações, mas em regra de grande exigência técnica, para não resultarem em adulteração da manteiga, com efeitos muito nocivos para a saúde. Ou então podem ser manteigas trabalhadas por incorporação emulsionada de variados ingredientes ou condimentos.

Técnica: para bater bem uma manteiga com um ingrediente aquoso é necessário que (i) a manteiga esteja em pasta mole, mas não obrigatoriamente líquida; (ii) que o ingrediente líquido esteja à temperatura ambiente e não ultrapasse um terço do volume total.

Também há preparados considerados como molhos mas que são de facto emulsões de manteiga, como é o caso do molho holandês (Gosto de Bem Comer, pág. 242)

Aqui vai uma lista abreviada das manteigas de que mais gosto e que faço com frequência:
  • Obviamente, a “maître d’hôtel, a “beurre blanc”, para peixe, com “fumet”, a Chivry cujas ervas vão com tudo.
  • “Beurre noisette”, com escurecimento do fundo, separado da gordura, e tudo novamente misturado, no fim. Uso para grelhados de carnes brancas ou para filetes.
  • “Beurre noir”, como a noisette mas levando mais longe o escurecimento e cortandom com sumo de limão. Uso para fritos fortes de peixe. Mas com cuidado, por causa da temível acroleína.
  • Manteigas batidas, com incorporação: de alho e azeitona, de marisco, verde, de Biscoitos ou outro generoso reduzido com ervas, de frutas açorianas (ananás, maracujá, goiaba, tomate capucho), com picles caseiros, com toque de pé de torresmo, e tudo o que me vem à ideia, etc.).
  • Também gosto de manteigas exóticas, como a “niter kibbeh” etíope ou o “schmaltz” germânico. A primeira é preparada clarificando a manteiga e aproveitando só a gordura e temperando com especiarias a gosto (e um açoriano é especialista vem especiarias na gosto!): feno grego, cominhos, coentros, cardamões, turmérico, canela, noz moscada.
O schmaltz é simples, se esquecermos as regras kosher das comunidades ashkhenazi que o preparavam. É uma gordura de aves, o que pode ser difícil de encontrar, mas que reservo sempre para o congelador o que destila de gordura quando cozinho pato ou foie gras. A gordura serve para alourar cebola e esmagar numa pasta que se conserva.

Das manteigas de restaurante e hotel, embora mais conhecidas como molhos, fica aqui o célebre molho do Café de Paris, em Genebra, onde só fui uma vez, com grande deleite e despesa, quando por lá andava.
Branquear fígados de galinha com tomilho, num mínimo de gordura. Reduzir nata com mostarda e tomilho. Esmagar bem os fígados e misturar com a nata, acrescentando um pouco de água para suavizar. bater com bastante manteiga, temperando com sal e pimenta preta.
Merecem nota posterior as manteigas fumadas, no conjunto de outros fumados que estão na moda, em boa parte lançados por Henrique Mouro e continuados por João Sá, no Assinatura e que já tenho trabalhado. Por coincidência, daqui a pouco vou levantar o defumador que encomendei há tempos na César Castro.

Finalmente, anoto que, nas três manteigas do Belcanto, figura uma simplesmente açoriana. Bom senso e bom gosto!

Ressalto hoje, como disse, as manteigas fumadas, um desafio a toda a imaginação. Há duas formas de defumar sem ser no fumeiro tradicional da aldeia. Para fumigação a quente, muitas vezes operação prolongada, usa-se um recipiente grande com tampa em que caiba um cesto perfurado com o produto a fumigar. Pode ser um wok com tampa ou um tacho grande também com tampa. A tampa é obrigatória. No fundo, para não queimar o material a arder, uma folha de alumínio. Sobre ela, o que quiserem de material celulósico (aparas de madeira, arroz integral), com o que imaginarem que possa perfumar – ervas, chás, etc. Pôr ao lume, a seco, e é tudo.

Outra forma é a frio e para isto é que comprei o tal defumador (preço nada adequado a época de crise, mas é minha perdição). Os produtos cozinhados – aconselho que muito simplesmente – são introduzidos num boião de vácuo, do tipo dos usados para compotas e sobre eles é soprada com o tal utensílio uma boa dose de fumo, aromatizado como se quiser. É só deixar uns minutos a tomar sabor e levar à mesa, em dose individual.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A vantagem de se chamar Alfredo

Desde há muitos anos que tenho por hábito trazer sempre de viagem um livro de cozinha e assim fiz uma razoável colecção de cozinha estrangeira. Em regra, aconselho-me junto de amigos locais bons gastrónomos – nem imaginam como são frequentes no mundo da investigação. Outras vezes, fico-me pelos livros habituais dos quiosques de aeroporto. No caso italiano tenho alguns deste género e, confesso, apenas um de cozinha de autor qualificado, “Le Goût de l’Italie”, Giuliano Bugialli (Flammarion, 1985), mas que não traz receitas tradicionais.

Fazer cozinha “italiana” é um desafio, principalmente em tempos de net, só superado pelo da cozinha “chinesa”. Para cada prato, há centenas de receitas, de restaurantes e de amadores, algumas mirabolantes. Portanto, desde logo, a primeira questão é se devemos ser mais papistas do que o papa, obedecendo a padrões de genuinidade que, afinal, não dominamos. Creio que não, mas é certo que não gostaria que um italiano oferecesse aos seus amigos uma receita tirada da net de um bacalhau à Gomes de Sá grelhado, coberto de maionese com muito piripiri e acompanhado com batatas fritas. Está no seu direito de gostar, mas chame-lhe outra coisa.

No meu caso, vale-me possuir um bom sentido do paladar e boa memória gustativa (e, hoje, um iPhone pra tomar logo nota das coisas). Vou a qualquer lado e, de regresso, comparando com uma receita publicada, creio que não me saio mal. Pelo menos, assim dizem os tais amigos estrangeiros. Todavia, caio em erros, como nesta história que me lembrei de contar hoje, ao arrumar o meu ficheiro de receitas (em formato FileMaker Pro de Mac OS X, para quem quiser).

De um dos tais livros, comecei há muito a fazer, com pequenas modificações, uma massa muito saborosa, fettuccine Alfredo, embrulhada em molho cremoso de manteiga, nata, parmesão ralado (faço com S. Jorge), bacon e cogumelos, mais salsa picada. Era prato tão obrigatório que até o inclui, por brincadeira, no meu livro “Gosto de Bem Comer” (pág. 55) como a “massa preferida do meu filho H.”. Entretanto, comendo tão frequentemente em Itália, sempre estranhei a ausência desta massa nas listas mais frequentes.

Ao mesmo tempo, não via nos meus livros uma massa muito simples mas muito boa que comia frequentemente por toda a Itália, até, como há dois anos, na Sicília, "fettuccine al burro" ou também “fettuccine al triplo burro” (fettuccine com manteiga tripla), apenas envolvida em molho de manteiga e queijo ralado.

Ao comparar as duas receitas, notei a sua base comum de molho e, com alguma pesquisa, creio que resolvi a dúvida. A massa com manteiga e queijo é tradicional mas foi popularizada na variante “triplo burro” por um restaurador romano do princípio do século XX, Alfredo Di Lelio, no seu restaurante “Alfredo”. Voilà! Simplesmente, ele nunca a chamou de outra forma que “al triplo burro”, por levar o triplo da quantidade de manteiga que já se usava no clássico fettuccine com manteiga e queijo, ou “in bianco”.

“Alfredo” era muito popular entre turistas americanos, incluindo conhecidas estrelas de cinema. Diz-se que os principais popularizadores foram Douglas Fairbanks e Mary Pickford, no início dos anos 20. Por isto, muitos restaurantes italianos nos EUA começaram a fazer esta massa, chamando-lhe fettuccine Alfredo. Devia sabê-lo por experiência, mas é facto que nunca fui aos EUA para comer em restaurantes italianos. Sempre preferi uma “steak house” para um bom T-bone.

Foi esta americanização da velha receita de Alfredo Di Lelio que abriu caminho a muitas variantes, muitas vezes com natas, e incluindo desde bacon, fiambre ou cogumelos, como no tal meu livro, até frango, camarão, brócolos ou ervilhas, ovos, salsa, etc. E assim se explica a receita do livro que eu tinha comprado, que não deixa de ser muito boa e a que continuarei a chamar de fettuccine Alfredo (melhor, “um” fettuccine Alfredo), mas a que não chamarei “fettuccine al triplo burro”. 

É que a autora do livro, Fiorella DeBoos-Smith, sendo criada em Trieste, foi para a Austrália na grande vaga de emigração nos anos 50. Não terá certamente idade para ter grande experiência de cozinha, no seu país de origem. Aliás, provavelmente divaga por coisas de divulgação culinária estilo TV, já que é coautora de um outro livro que parece ainda menos profissional, “A Whole World of Good Cooking”.

Reconheço que caí em algum descuido ao comprar – é certo que há muitos anos – um livro de que não tinha referências. É perigoso, a menos que, em vez de se pretender reproduzir pratos tradicionais, se queira simplesmente comer uma coisa que nos atraia e de que depois gostemos. É perfeitamente legítimo.

Finalmente, a receita que recentemente recolhi de “fettuccine al triplo burro” e que uma velha amiga italiana me recomenda, como genuína e provavelmente a que Alfredo Di Lelio fazia, como ainda se come no restaurante descendente, “Il Vero Alfredo”:
400 g de fettuccine, 200 g de manteiga, 200 g de parmesão ralado, 4-5 l de água com sal 
Ferver a massa ao dente, cerca de 8 minutos. Entretanto, no fundo de um prato de servir, aquecido, espalhar a manteiga, em pedaços. Escorrer a massa, reservando 2,5 dl (uma chávena) da água de cozer, e espalhá-la quente sobre a manteiga. Polvilhar com o queijo, molhar com quarta parte da água que se reservou e mexer suavemente, a fundir e misturar a manteiga e o queijo. Juntar o resto da água e acabar de envolver bem a massa. Servir imediatamente.
NOTA: vê-se hoje, na página do restaurante “Il Vero Alfredo”, que adoptaram o nome “fettuccine Alfredo”. O marketing vale muito!

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Cozinha simples

Do caviar, há dias, passo para um almoço banal, à la minuta, como muitas vezes tenho de fazer, antes de ir para o trabalho. E provavelmente terei leitores que tanto querem que eu escreva sobre uma coisa como sobre outra. Não se pense que um almoço à pressa não pode ser bom e imaginativo, principalmente se for buscar raízes ou influências de qualidade, para ingredientes simples ou mesmo apenas aqueles que se tem em casa e com que se tem de jogar.

Hoje tinha umas salsichas alemãs, grandes, tipo bratwurst, em risco de se estragarem depois de duas terem servido para um cachorro. Tinha também um pequeno repolho. Foi tudo o que precisei.

Ingredientes. 1 cebola roxa, 2 dentes de alho, 1 c. sopa de banha, 3 salsichas grandes, 250 g de repolho,  1,5 dl de caldo de carne, 1,5 dl de vinho branco, 1 c. sopa de vinagre, 1 folha de louro, sal, pimenta preta, 1 cravinho, 1 haste de tomilho, 3 bagas de zimbro.

Preparação. Refogar em metade da banha a cebola e o alho, picados grosso, e remover. Juntar o resto da banha e saltear bem, cerca de 3 minutos, o repolho ripado. Juntar os líquidos, temperar, tapar e cozer a lume baixo, 15-20 minutos. Remover o louro e o tomilho. Rectificar o tempero de sal. Colocar sobre o repolho as salsichas, para aquecerem. Servir as salsichas, barradas a gosto com mostarda de Dijon, e o repolho escorrido.

Dirão muitos leitores que muito melhor do que isto é uma chucrute alsaciana. Concordo e também a faço muitas vezes, mas hoje não tinha tempo para ir comprar a chucrute. Quem não tem cão caça com gato.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Ponto e contraponto da cozinha

Há algumas coisas estranhas na minha tradição gastronómica e de cozinha familiar. Já aqui tenho falado. Coisa que me encanta é a morena, ao ouvir-me sobre a casa de menino, lembrar-se de coisas muito semelhantes da sua infância angolana. Às vezes, coisas tão simples, como os pasteis de massa tenra (vou ver como são no Café Lisboa, Avillez!) cujo recheio era bem picado com facas, não a pasta que hoje se come e era de restos de carne assada. Ou pratos de cozinha simples de família, iguais nos Açores e em Angola, como um bom arroz de repolho e chouriço, ou a carne assada que não era carne assada, era peça inteira marinada e estufada na panela, ou uma carne recheada à antiga.

Engraçado é que as duas avós, que hoje gozam lá em cima com o gozo de quem aqui deixaram, não tinham raízes comuns. Uma açoriana, outra angolana, bem enraizadas na sua terra, mas certamente possuidoras de uma sabedoria culinária de gerações.

Vou dar três exemplos de cozinha de família, todos no meu livro. Chamo-lhe assim, cozinha de família, porque não tem a ver com qualquer tradição popular ou mesmo de cozinha urbana. Começo por um ícone familiar, de domingo ou dia de festa, não por ser caro mas por dar trabalho, a galinha de molho de perdiz. Tecnicamente, tem um pormenor especial. A galinha, inteira, é escaldada cerca de 5 minutos, a dar um caldo ligeiro, e só depois vai a assar, com bastante manteiga e caldo. É desmanchada e servida fria embrulhada numa maionese trabalhada com a gordura do assado, o fígado e ervas. E serve-se obrigatoriamente com champanhe bruto. Hábito antigo que sempre me fez enjoar qualquer espumante adocicado, como se usava mais – e talvez ainda hoje – em Portugal.

Porquê molho de perdiz, bicho que até não existe nos Açores? Nem sabem quantas horas de pesquisa já gastei. Encontrei coisas que podiam ser pistas, mas que me pareceram não fazerem sentido. Quem saiba que me ajude.

Outra coisa que se fazia semanalmente na minha casa, sem nome, a acompanhar a simples galinha assada, era um arroz refogado, com amêndoas e passas. Não diz alguma coisa? Simplesmente, antes do hoje conhecido arroz árabe, isto era na década de 50 e herdado da tradição de família. De um velho antepassado sefardita que tive?

E o que sempre foi o peixe assado da minha casa? Simplesmente temperado com azeitonas e nozes (e mais algumas coisas que não digo…). Nem nos livros de cozinha francesa encontro isto. Podia ser, cozinha de hotel porque um meu trisavô vinha a Lisboa comprar vestidos para as senhoras e comer em bons restaurantes, pedindo receitas, mas este peixe não encontro.

E até, como nos rimos deliciados, a comer, há dias, as coisas que as nossas avós nos faziam, até as simples papas de custarda ou de maizena, ou as de farinha torrada da minha avó!

Fica a continuação para a morena. Também ela tem recordações bem vivas de criança educada no “gosto de bem comer”, em mistura de cozinha angolana e de cozinha portuguesa, nomeadamente a transmontana, que a sua mãe foi buscar à família do marido. Das boas cozinhas regionais portuguesas, a transmontana, cozinha rústica mas muito boa, a tirar proveito da melhor qualidade possível dos ingredientes.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Manjares dos deuses – o caviar

Às vezes não resisto à pecha de intelectual que tem sempre de dar lições, porque se julga detentor de informação privilegiada. Vou falar de caviar, coisa hoje só para mais tarde recordar. Mesmo provavelmente só muito mais tarde, quando lhe pudermos chegar.

Afinal, há leitor meu que não saiba o que é caviar? Mas, já que aqui estamos… O caviar é um produto derivado das ovas de esturjão, um peixe grande especialmente abundante no mar Cáspio e nos rios que nele desaguam, e também, menos, no mar Negro. Por isto, o caviar é produzido principalmente pela Rússia e pelo Irão. O processo geral de preparação das ovas é elementar. Comem-se cruas e sem qualquer outro tratamento, fumo ou conservação, é tudo.

Há três tipos de caviar genuíno de esturjão: o beluga, o ossetra e o sevruga. São produzidos da mesma forma mas diferem na qualidade que os provadores lhes atribuem. Beluga, só comi na então URSS, em viagem a convite oficial, caviar e vodka em demasia (a valer-me um vaso de plantas onde despejar o vodka dos frequentes brindes). Ossetra e principalmente sevruga comprava eu cá em tempos de vacas gordas. Hoje, caviar é para cima de 400 € por pequena embalagem de 100 g.

Vou falar só das imitações, excluindo duas coisas de que gosto muito, as ovas de salmão e de truta, muito diferentes em gosto e aspecto, grandes e vermelhas.

Há tempos, comi um excelente prato de lavagante, muito simples (“but, oh simple things” ou KISS, “keep it simple, stupid!”) com espargos verdes que eu não consigo fazer tão verdes (mas também não tenho três estrelas), espuma de nata fresca com vodka e caviar. Honestamente, como se exige do Waterside Inn (3 estrelas Michelin), o caviar estava identificado como “royal belgian”. Muito saboroso, não é nada de desprezar, diferindo apenas por vir de caviar crescido em aquacultura, em água do mar. E são 45 libras por 30 g (150 € por 100 g)! Mesmo assim, menos do que podemos comprar em Lisboa, por exemplo o mais barato dos caviares genuínos, sevruga, a cerca de 200 € por 100 g. A escolha de um caviar de aviário também tem a vantagem de permitir servi-lo com alguma abundância. A propósito: há dias, um chefe desdenhou-me o royal belgian, só usa Sevruga (e como se reflecte no preço e na quantidade?). Faça o favor de ir a Bray.

Vou dar um grande salto para baixo, para coisas de qualidade obviamente inferior mas de preço muito mais acessível. Gosto de um tipo de caviar que aqui se vende, de ovas de outros peixes, principalmente de lumpo. O que mais uso é de origem espanhola, “Mujjöl Shikrän”, uma mistura de ovas de arenque e de peixes vermelhos pequenos (salmonete, ruivo), coisa a custar cerca de 10-12 € por 100 g. Um pouco mais barato, também muito aceitável, de lumpo, o de marca Martiko, a 9,8 €  por 100 g. 

Mais caro, o dobro, mas para mim inferior, é um produto de ovas de arenque, Arënkha, agreste, com muito sabor a fumo. Outro produto de origem espanhola (coisas espanholas já se sabe onde se vendem) que ainda não provei é o Anchoviar Cataliment Murcia, 120 g por 17,59 €. Parece milagre de preço, para caviar de esturjão, esturjão mesmo que de aviário. Não deixarei de o comprar um dia destes.

Finalmente, o vulgaríssimo sucedâneo de caviar, tipo Skandia, nas prateleiras de todos os supermercados. Não merece crítica, como não merece ser servido mesmo numa refeição de amigos. Nem ovas tem, é uma pasta de algas pintadas de preto e microesferificadas. É certo que só custa 4,24 € por 100 g, mas essa economia justifica a perda de valor em comparação com o que descrevi? 

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Ronda de restaurantes – Casa Nanda

A ida ao Porto terminou, sexta-feira, em almoço de dia de águas mil com grande alarido de campanha de uma candidatura que parecia já certa da vitória. Depois do jantar de véspera, de alta cozinha, um bom almoço – deve haver gosto para tudo, desde que com qualidade – na Casa Nanda.

Não há alfacinha que vá com frequência ao Porto que não tenha de confessar que, quanto a cozinha tradicional, se come muito bem no Porto. Que o digam, basta essa experiência, os que, Tendo algum tempo disponível antes do comboio, o usam, e com bom proveito, no Aleixo, em Campanhã. Lá comi, já há largos anos, umas tripas inesquecíveis.

A Casa Nanda é famosa mas não a conhecia. Dirigida pela dona, (Fer)Nanda, que visivelmente sabe do assunto; herdou-a da mãe, também mestra famosa nas artes de tachos e panelas, à maneira de gente de boa e velha cozinha. O pai ainda lá vai ajudando. Andando um pouco desde os Aliados, lá se chega ao restaurante, na R. da Alegria. Pareceu-me a melhor forma, mesmo para locais, porque não vislumbrei lugar de estacionamento. O restaurante, para cerca de 60 pessoas, é como tantas vezes se vê: mobiliário simples, friso de azulejos, candeeiros de ferro forjado, decoração exuberante de reportagens de jornal, de críticas e da família. E sem homenagens ao dragão… Mas não é isto que leva a mal a cozinha.

Esta sim, a valer deslocação, com uma lista representativa da cozinha nortenha (Porto e Minho). Sendo só dois, tenho de me ficar pela apreciação de dois pratos, mas vivamente recomendados por mestra Nanda: filetes de polvo com arroz do mesmo; e rojões.

Os filetes mereceram nota muito alta, com distinção. Polvo muito tenro, polme fino, fritura no ponto, os filetes bem escorridos e o óleo absorvido. O arroz estava muito saboroso e bem temperado, só sendo pena que de arroz agulha em vez de carolino, moda infeliz que grassa desde há uns anos.

Rojões já comi às dúzias, em muitas terras minhotas. Nunca tão bons, com destaque para a macieza da carne, que quase se desfazia, para a quantidade certa de gordura, sem fazer o prato ficar enjoativo, e para o bom tempero com cominhos, quanto baste mas sem ser envergonhado. 

Para sobremesa uma salada simples de pêssego de fim de estação, bem sumarento, e um leite creme como ambas as nossas avós faziam, com o creme espesso e coberto com caramelo, não com açúcar queimado.

Em resumo, um restaurante popular (também na conta), de muito boa cozinha tradicional, com um serviço simples, despretensioso e muito amável. Indo ao Porto, vale a pena lá voltarmos.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Ronda de restaurantes – DOP

Almoçados no À Parte, foi logo caminho para o Porto, terra de godos bárbaros. Ficámos num hotel bem simpático e não exorbitante, o Pestana Porto, na Praça da Ribeira. O tempo foi curto para uma breve volta pela Ribeira, antes do jantar no DOP, bem perto, a pé, no Largo de S. Domingos. Por DOP, segundo a ideia do chefe Rui Paula (também com o DOC na Régua) entenda-se “degustar, ousar, Porto”.

Nunca lá tinha ido e só não fico cliente obrigatório nas idas à invicta, etc., porque o preço, naturalmente, não é para a banalidade do dia-a-dia. Sobre o restaurante, o seu chefe, a sua concepção de restaurante, vejam o “sítio”.

Como é nosso hábito, quando queremos conhecer, pela primeira vez, as características de um restaurante, optamos por um menu de degustação. Há quem, em partilha de casal, escolha dois. Não o fazemos, para podermos comentar bem o que estamos ambos a comer. Há dois menus, o Douro (70€) e o Mar (80€). Fomos pelo Douro, mais variado, incluindo carnes.

Fomos atendidos por uma empregada de mesa (depois também por outras) muito simpática e com evidente elegância e reserva de profissionalismo que se aprende na escola. Também aqui nota máxima para um jovem escanção, que também fazia de chefe de mesa. 

Como é nosso hábito, e até o dia o exigia, a começar por um bruto. Neste caso foi um muito bom Varosa  2010, que não conhecia. Devia dizer o que bebi a seguir, mas perdi as minhas notas do jantar. Como a morena não bebe álcool, fico sempre por um copo, neste caso de branco. Era um Douro excelente, guardado em madeira, cor forte, sabor a mel. Memorável, mas lamento ter perdido a referência.

Ao princípio vem o pão, mas, ao contrário do que se vê frequentemente, não servem manteigas. Disseram-me, pareceu-me que com alguma sobranceria, que era critério do chefe. Eu gosto, não acho que seja mau nível, mas não vou discutir.

O “mimo do chefe” pareceu-me pesado e desequilibrado, com coisas muito boas e outras menos. Bem conseguidos, uma sandes de batata frita finíssima com recheio de pasta de salmão, mais uns minicones cheios de merengue de azeitona, uns pãezinhos injectados com um líquido aromático (caldo?) que não consegui identificar. Com isto, pesada e em pedaço demasiado grande por comparação com os demais, uma tempura de alheira com polme de tinta de choco. Decididamente, tendo comido muitas experiências de adaptação da alheira a cozinha de autor, nada me convence, a menos que seja para substituir pão.

O primeiro prato estava sublime. Maçã laminada muito fino, a fazer forma para recheio de foie gras, com pingos de puré de maçã (a repetição não ficou mal) e redução de vinho do Porto.

A seguir, carabineiro com feijoada. Menos conseguido, com feijão branco um pouco agreste. Preferiria um feijão mais suave (catarino ou manteiga, e em menor quantidade). Com uma espuma saborosa que a perda das minhas notas não me permite agora identificar. Tenho ideia de que de azeitona.

Muito bom, a evocar a cozinha tradicional (? noutro dia discutirei se a base deste arroz é tradicional), o arroz de tamboril. O arroz muito bem feito, dose certa de legumes e coentros, o peixe em rodelas à parte provavelmente feito separadamente, ao vapor (?), tudo acompanhado por fatias de camarão com uma amostra generosa de caviar Sevruga.

A seguir, para um grande adepto de fumados como eu (admirador das experiências do Henrique Mouro e agora do João Sá no Assinatura e possuidor de um defumador), um prato muito bem conseguido. Chama-se “fim do churrasco”. Chega à mesa uma campânula cheia de fumo que, ao destapar-se, mostra dois pequenos nacos de vitela grelhada, pão corado de verde a simular ervas e azeitonas secas raspadas, a evocar as cinzas.

Menos conseguido, pesado, foi o prato final de carne, embora muito bem confeccionado: vitela assada no forno, molejas, cogumelos, batata assada recheada com concentrado de cozer rabo de boi e tapada também com cogumelo. Essencialmente, a meu ver, falta-lhe contraste de sabores e texturas (e até de cores, tudo castanho).

A passar de novo para a elegância, a muito boa pré-sobremesa: frutos silvestres com compota de laranja, tudo em caldo de eucalipto. A seguir uma sobremesa de alta técnica. Uma laranja feita com “casca” de agar-agar (julgo eu) bem temperada com laranja, a envolver um recheio de maracujá e coco, mais um xarope muito espesso de manjericão. Com um muito bom vintage da casa, em garrafa de decantação, que, novamente por perda das minhas notas, não posso identificar.

Ao fazer a reserva e dizer que era jantar para dois, perguntaram-se se era ocasião especial. Pelos vistos, os casais já não jantam bem fora sem ser por obrigação. No fim do jantar, em honra da morena, uns minibolos de bolacha coberta com creme de pasteleiro e uma vela acesa, mais duas flutes de espumante. Muito simpático!

Depois, a conta. Achei pesada, quase o que se paga em Lisboa no Belcanto ou no Guincho, por exemplo, que me parecem estarem um degrau acima. Mas é preciso atender principalmente à enorme quantidade do menu, exagerada, segundo a tradição de fartura de comer dos nortenhos. No fim, do prato de carne, para ter reserva de espaço para as sobremesas, só comi metade.

De qualquer forma, um restaurante francamente recomendável e uma experiência a recordar bem um aniversário querido no Porto.

domingo, 29 de setembro de 2013

Ronda de restaurantes – À parte

Dies gulae, dies illa, dias complicados de obrigatoriedade de restaurante. Começaram ainda em Lisboa, com sugestão familiar para um restaurante onde só tinha ido uma vez, o À parte. E não tem petiscos! Tem originalidade quanto baste, “charme”, mas não o estilo de restaurante de “tias” que me enjoa. A graça vem de se ter instalado num rés-do-chão da Defensores de Chaves, com salas minúsculas em que por vezes só cabe uma mesa para seis, mais um agradável jardim.

Não é restaurante de que possa fazer apreciações superlativas, mas é bem razoável, justificando-se principalmente, como disse, pelo ambiente. No entanto, com alguns senãos, desde logo a começar pela ementa, com excesso de bifes e risotos. Nestes, alguns casos são francamente lamentáveis, como um risoto de alheira, em que, obviamente, o enchido só dá massa betuminosa ao risoto, ou um risoto de perdiz com farinheira (que desperdício, mesmo para ave de capoeira!). Provei logo três dos risotos. Todos mal cozidos, por quem sabe que um risoto deve estar ligeiramente ao dente, mas só ligeiramente, e não se atreveu a ir mais longe do que a evidente má cozedura do arroz.

Eu pedi umas lulinhas à algarvia. Muito bem feitas, com batatinhas novas bem no ponto, molho bem apurado, mas aí é que estava o problema. Vinham, no prato, com salada a embeber todo o molho e a misturá-lo com a aguadeira destilada da salada. Pior, as lulas vieram quase ao natural (de temperatura!). Salada é à parte, senhores, como diz o nome do restaurante.

Serviço um pouco atabalhoado, como é regra geral nos nossos restaurantes, mesmo com alguma pretensão, a recorrerem a jovens brasileiros muito simpáticos mas sem escola. Uma das convivas pediu um bife mas, das guarnições, só queria batata frita e salada. Primeiro veio o trio, isso e mais arroz, depois arroz e salada e foi preciso esperar pela terceira vez (enquanto as minhas lulas arrefeciam lá no balcão).

Em resumo, um restaurante simpático mas também exemplar do que não se pode fazer sem ofensa básica ao profissionalismo. Valha o ambiente, como disse, e uma boa relação qualidade-preço. À volta de 10 € por um bife não se encontra facilmente.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

A praga da petiscada

Lisboa está invadida pela petiscada, de alto e baixo nível (em fama, preço e marketing, não em qualidade, como direi). Antes de ir ao substantivo, algumas divagações. Muito do que se chama petiscos são, cá e na minha terra, os pratos de todos os dias de uma cozinha familiar burguesa, entre pratos “de tacho” ou completos e coisas que se podem fazer para comida acessível ao balcão – salgados, saladas, arrozes, feijoadas, etc., etc.

Fui de uma época em que restaurantes e tascas desleixaram isto. Guardo grata memória de algumas coisas, como a Tendinha do Rossio (com aquela sandes mista de presunto e queijo fresco, novidade da casa, que fazia perguntar ao freguês novato "quer com azeite e vinagre?", para gozo da malta useira). 

Sem desprimor para alguns exemplos que agora não recordo, eventualmente de bairros que não eram o meu, a renovação mais marcante foi a Carsédia. Coisa estranha, era uma sucursal do Tavares, quem diria. A estratégia de diversificação do Tavares, injustamente caído em desgraça no 25 de Abril como símbolo do antigamente, começou com o andar de cima, depois com o Tavares Pobre e a Carsédia. A seguir, o Sr. ?, cujo nome não recordo, embora me lembrando muito bem da cara, fez sucesso no self do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian e no “shopping” Gemini.

Depois de muitos anos de substituição dos petiscos tradicionais por banais bitoques, hambúrgueres e carnes de porco à portuguesa, mais uns filetes desenchabidos, e de serviço de salgados de má qualidade em tudo o que é café (e só tarde com recuperação dos pastéis de massa tenra, mas com betume de carne como recheio), a moda hoje é a dos petiscos. 

Não tenho nada contra, muito pelo contrário, se forem bem feitos e postos no devido lugar: o de exemplo de cozinha tradicional genuína, desde a cozinha caseira até à cozinha de tasca (como fico a salivar com os ovos com linguiça da Ilustre Casa de Ramires!). Mas, para mim, sem deixar de ter de ser cozinha aprimorada e rigorosa em respeito pela tradição – com aceitável margem de inovação – é uma cozinha barata e despretensiosa, em restaurantes que, como por toda essa Europa, toleram empregados de jeans e ténis, guardanapos de papel e coisas do mesmo nível. Mas também a conta.

Em que difere de um restaurante de cozinha tradicional? É difícil definir. Diria que no fornecimento de doses pequenas, cada um a pedir duas ou a partilhar, numa cozinha que é marcada pela maior simplicidade e rapidez de confecção e, principalmente, pela tradição da sua venda em feiras, tascas e romarias, e em coisas que se comiam facilmente ao balcão, em pé, com o copo na outra mão (como no “Pai Tirano”, então um copinho de branco”).

Esta petiscaria tem vindo a marcar a restauração madrilena (menos a de Barcelona). Sou velho comedor em Madrid, de restaurantes e de tabernas de tapas, estas despretensiosas, de se comer em pé, cascas de camarão e de tremoço no chão. Hoje viraram semi-restaurantes para turistas e uns menus estilo tlinta-e-tlês – é verdade, 21 para Joao – à espanhola passam por genuína cozinha hermana (e que boa que ela é).

Essencialmente, a meu ver, uma petiscaria de qualidade se quiser inovação deve respeitar a lógica do serviço de petiscos, como disse, e dar ao estrangeiro a ideia do fundamental da nossa cozinha, ao mesmo tempo que oferece ao português alguma variação. Mas nunca a ponto de tentar apresentar esta “cozinha menor” com pequenas modificações e sugerir que isso é cozinha de autor, coisa bem diferente. Não se pode ter o bolo e comê-lo. Os chefes estão a ir para a petiscada porque não têm mercado para a sua cozinha de autor. Apresentar como tal cozinha barata é vigarice. 

“Petiscaria de autor” é o que se tem passado com as “novas petisqueiras”, de chefes consagrados. Se não me engano, foi Vítor Sobral que começou a moda, em Campo de Ourique. Limito a minha crítica, porque nunca lá fui, só conhecendo a ementa, banal. Também por algum preconceito porque, tendo em certa fase profissional viajado muito em classe executiva, sempre achei detestável o “catering” de Sobral para a TAP.

Há o novo caso do Chefe Cordeiro, sobre o qual já escrevi aqui. Há também o caso especial de Avillez, sobre que tenho “mixed feelings”. Acho a sua empadaria coisa deslustrante da sua imagem. À pizaria ainda não fui. O Cantinho é agradável mas não vai mais longe. Do Café Lisboa só falarei quando experimentar. Tudo isto me desabonaria o projecto Avillez, se não soubesse que é o preço a pagar para termos, ele e nós, o Belcanto.

Com isto, o que hoje ouço é jovens executivos, com cartão de crédito para restaurantes, não discutirem os bons restaurantes mas as petisqueiras à moda, de tias ou não, o ambiente giro de cadeiras que não condizem com a mesa, ou da patroa que nos trata por tu. Ter meios não é obrigatoriamente ter bom gosto.

E vem tudo isto a propósito de uma nota de Duarte Calvão, no Mesa Marcada sobre o provável fim do Pedro e o Lobo, agora com a saída de Diogo Noronha. Antes, tinha sido ou o sócio, Nuno Bergonse, para outra petiscaria, Ministerium, que até elogiei. A propósito, diz Duarte Galvão:
“(…) só espero que não enverede pela petiscaria, hamburgueres e pizzas para as quais já não há pachorra”.
Totalmente de acordo, como se vê pelo que escrevi nesta nota.

NOTA – Estava esta nota pronta a publicar e recebi notícia, muito a propósito, da Lisbon Week, com um programa gastronómico de Estação dos Petiscos

Esta Lisbon Week é coisa fora de estação turística e, por isto, temos de pensar nela como principalmente dirigida aos indígenas. Adianta alguma coisa? Até receio é que a banalização leve a enjoo, como temos pela comida de cantina. Não há fome que não dê em fartura. 

Aqui fica a lista. A concepção é de José Bento dos Santos, por quem tenho muita consideração mas que critico por frequentemente resvalar para coisas menos pensadas, quase de bandeira desfraldada, como a cataplana e o melhor peixe do mundo. Valha que estes pecadilhos ficam perdoados pelo Monte d’Ouro. José Bento dos Santos tem uma imagem importante, até internacional, que não pode deslustrar.
Esta Lisbon Week é coisa fora de estação turística e, por isto, temos de pensar nela como principalmente dirigida aos indígenas. Adianta alguma coisa? Até receio é que a banalização leve a enjoo, como temos pela comida de cantina. Não há fome que não dê em fartura. Aqui fica a lista. 
Caldo verde. Canja de galinha. Joaquinzinhos. Rissóis de camarão. Pasteis de bacalhau. Pataniscas de bacalhau. Carapaus de escabeche. Salada de polvo. Moelinhas. Pica-pau. Prato de mini-enchidos regionais. Meia-desfeita (bacalhau). Alheira de caça. Ovos verdes. Peixinhos da horta. Gambas ao alhinho (português?). Ovos mexidos c/farinheira ou espargos. Lista tão pobrezinha que nem me apetece comentar.

Para acompanhar, arroz malandrinho de feijão, arroz solto de alho e coentros, salada de tomate com oregãos (bem originalmente portuguesa, não de todo o Mediterrâneo?), ovo estrelado (espantoso!), batata frita.
Como doces, representando (?) a nossa riquíssima doçaria (ao menos mais o leite creme), apenas arroz doce, pastel de nata e mousse de chocolate.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Salada de camarão com molho a evocar thermidor

Já sabem que não é regra deste blogue publicar receitas. É de gastronomia, não de culinária, muito menos de folheto de supermercado. Mas às vezes justifica-se, quando me sai alguma coisa mais inventiva ou bem conseguida.

Hoje vai uma salada (ou cocktail) de camarão. Sou do tempo em que eram excelente novidade, em marisqueiras (Solmar) e até em coisas despretensiosas mas que inovaram, como o Noite e Dia e o Galeto. Muito simples, alface ripada, camarões e molho cocktail (maionese, ketchup, nata, molho inglês, piripiri, uisque e vermute). Perdeu-se, “oh simple thing”. 

Continuo a fazê-la, mas apeteceu-me variar o molho.  Saiu coisa a evocar thermidor, o mês cujo dia 9 (27 de Julho de 1794) não me agrada muito. Mas há outra boa coisa também a evocar thermidor, e que me serviu de inspiração, mesmo que bastante à distância. Os leitores que se lembrem. Vai a receita desta minha salada no sítio habitual.

NOTA – Por razões que compreendem se forem ver a sua página de Facebook, e falando do 9 thermidor, esta receita é dedicada ao João Carlos Graça.

domingo, 8 de setembro de 2013

"Chefe Cordeiro", uma desilusão

Lamento escrever esta nota, porque me faz pena ver que uma situação difícil, de crise, pode fazer cair em desvalorização e mesmo degradação um profissional tão respeitável como é o chefe José Cordeiro.  Saindo do Feitoria, este talvez perca a sua estrela, mas o novo “Chefe Cordeiro”, no Terreiro do Paço, é que certamente não a ganha.

A crise tem afectado grandemente a restauração de alto nível. Há um ou outro caso bem sucedido de gestão inteligente da crise, como o Assinatura. Avillez paga pelo Belcanto o preço de alguma banalização sua, com o Cantinho, as empadas, a Pizzaria, o “cattering” e, agora, o café do S. Carlos. Não sei se não será areia demais para a sua carroça. Miguel Castro e Silva faz um bom compromisso entre a qualidade do seu O Largo e o nível de preços. Mais perigosa me parece ser a onda de “petisqueiras” de chefes, iniciada por Sobral. É preciso muita coisa para marcar a diferença em relação a tanta tasca e essa muita coisa paga-se – e lá vai o cliente que prefere ir menos vezes ao restaurante mas ir onde vale a pena.

Conheço José Cordeiro do Feitoria e recordo-o especialmente por ter sido um dos primeiros que me encantou culinariamente, já lá vão bons anos, antes de haver a nova vaga de chefes mais jovens. Também gostava do Mensagem, sob sua orientação, embora com uma relação qualidade-preço pouco louvável.  Não gostei do seu histrionismo e concessão ao comercialismo televisivo no Masterchef, mas isto é outra história.

Este novo "Chefe Cordeiro" deixou-me, globalmente, uma indiscutível (para mim) má impressão. Dirão que é cedo para fazer uma crítica a um restaurante aberto há menos de duas semanas. Foi essa também a desculpa do chefe de mesa (? duvido; era quem estava na caixa mas nem uma vez foi à mesa). Não concordo. Abrir um restaurante com responsabilidades de chefia antes de tudo estar afinado é coisa para fazer rir, como no “Playtime” de Tati, mas certamente não é coisa de profissional como José Cordeiro.

Julgo que há um andar de cima para jantares mais convencionais. Só posso falar do almoço, na esplanada. A ementa é quilométrica, ambiciosa, mas, por isto, sem critério e a querer agradar a gregos e troianos. Por exemplo, uma secção de suchis num restaurante de petiscos e pratos tradicionais com óbvia intenção de imagem portuguesa. Valha que os preços são razoáveis, com uma refeição entre os 20 e os 30 euros. 

As secções da lista são, além do couvert: petiscos e outros (20); ostras e suchis (7); tributo à cidade de Lisboa (7); entradas (6); pratos principais (16); queijos, doces e sobremesas (9). No total, 65! ofertas, muito mais do que aquilo com que, visivelmente, a cozinha e o serviço são capazes de lidar com qualidade. A grande maioria é banal e vê-se hoje em qualquer “petiscaria”. Eu não vou a restaurante de um chefe conceituado para comer salada de polvo em molho verde, atum com feijão frade, melão com presunto, salada de tomate com azeitonas, mozarella com tomate, salada de alface com queijo de cabra, mel e nozes, arroz de tamboril, polvo assado com batatas e grelos, etc. Os bifes convencionais justificam sempre a sua entrada na ementa, mas neste caso, fiquei surpreso com um “bife da vazia à café Nespresso”!

Condescendo em que há na ementa algumas ofertas mais atraentes, por exemplo: muxama (que não se encontra ao virar da esquina), chichos de vitela ou de porco bísaro, ovos rotos (nestes dois últimos casos, pratos espanhóis, mas o restaurante não afirma a sua exclusividade portuguesa), raia em manteiga noisette. Provados, em almoço a dois, foram cachaço de vitela maronesa com cuscos e posta à mirandesa com batatas e grelos. Ambas as coisas feitas muito respeitavelmente, com boa técnica (mas à defesa em relação a condimentos), no entanto sem deslumbrar. Como sobremesa, recomendada, “farófias à nossa maneira”, que não percebi como se distinguiam de qualquer outra maneira.

Confesso que, como disse, a experiência da cozinha foi escassa para crítica fundamentada, mas que essa crítica se justifica com a ementa e o serviço. O serviço deixa de rastos o restaurante. Como sinal, nunca tinha visto em Lisboa um quarteto de turistas deixar a mesa e ir-se embora, enquanto outro casal protestava a alto e bom som. Valeu-nos chegar cedo mas mesmo assim esperámos cerca de uma hora pelo serviço, com erros sucessivos. No fim, até tiveram de substituir o meu café por ter ficado uma eternidade a arrefecer, à espera de adoçante. Os empregados são um pequeno grupo (muito pequeno para o número de mesas) de jovens, aflitos, provavelmente sem treino e escola suficientes. José Cordeiro não pode condescender com isto.

E, já agora, ponha guardanapos de pano nas mesas. Já sei que vão dizer que é na esplanada, mas acho que é regra sem sentido. Se cair ao chão, dentro ou fora, o procedimento é igual.