A massa sovada é um ícone da cozinha açoriana. E aqui até digo bem, no singular, contra o meu habitual “cozinhas açorianas”, porque é coisa antiquíssima que se radicou em todas as ilhas, portanto logo no início do povoamento. E entrosou-se com a religiosidade especial açoriana, sendo essencial nas festas de Espírito Santo.
Como acontece nestas circunstâncias, quase que cada família tem a sua receita, que só um turista muito subtil gastronomicamente pode distinguir. Habituei-me, criança em Ponta Delgada, ao que me diziam ser a melhor, a da pastelaria João Luís. Mas sempre ouvi a minha avó, mestra inventiva de pastelaria, gabar a da sua cunhada, minha tia-avó Leonor, que a fazia, como a minha avó fazia muitos seus doces inventados, para a Pastelaria Atanázio, em Angra, do seu cunhado.
Sempre ouvi a minha avó queixar-se de que, contra o seu próprio hábito, a minha tia não dava as receitas nem à cunhada. No entanto, vejo no livro de Augusto Gomes, “Cozinha Tradicional da Ilha Terceira”, ISBN 972-81§57-19-3, uma receita dessa massa sovada da pastelaria Atanásio. Duvido da genuinidade e não me consta que quem a forneceu a Augusto gomes fosse próxima da minha tia Leonor. Mas, com o benefício da dúvida, servi-me dela para a minha própria versão, que criei há dias, com muito bom resultado. Como exige grande esforço braçal, fiz a receita para a Bimby. Facilmente se adapta a uma boa batedeira.
A propósito do esforço, pode haver dúvidas sobre o nome do bolo. Massa sovada, por ser muito batida? Ou massa cevada, por ser muito levedada? É como malpassadas ou meladas, em relação a um frito micaelense, no carnaval, de que já falei aqui.
Outro pormenor. Hoje vende-se por toda a parte a massa sovada cozida em forma. Não era assim, em parte nenhuma, império ou pastelaria, que eu a via, antes como um pão com feitio da broa. Foi assim que a fiz. E é deste formato uma excelente massa sovada, em bolos pequenos, de 250 g, que se vende no El Corte Inglês, da Padaria Gomes de Ponta Delgada. Recebem-na semanalmente, creio que às terças. É bastante parecida com esta minha. Só o descobri depois de escrita esta nota, trazida pelo meu irmão alter ego gastronómico.
Ainda mais. Quando começa a secar e endurecer, dá umas ótimas torradas, barradas com manteiga (dos Açores, claro!...).
Crescente. 25 g de fermento de padeiro, 50 -100 g de água, 100 g de farinha de milho.
Massa: 1000 g de farinha, 10 ovos, 250 g de açúcar, 200 g de manteiga, 50 g de leite, 5 cl de aguardente de vinho (não de bagaço!), 1 c.sopa de chá de flor de laranjeira, uma pitada de canela.
De véspera, preparar o crescente. Juntar no copo o fermento e a água. 1 m/40º/2. Baixar e juntar a farinha de milho. 1m/-/3, a fazer massa consistente. Guardar abafado.
Para a massa.Juntar ao copo a manteiga e derreter, 2m/60º/1, e os outros ingredientes, exceto a farinha. 15s/-/5. Juntar a farinha e o crescente. Bater 10 minutos, em espiga. Deixar arrefecer a máquina, 20-30 minutos, e repetir mais duas vezes. A massa nesta altura deve estar relativamente mole, mas moldável, e com bolhas. Deixar levedar umas horas, no copo, até se soltar e aumentar bem de volume. Tender sobre superfície enfarinhada, polvilhando repetidamente o suficiente para obter massa consistente mas relativamente mole. Fazer bolo como na massa sovada tradicional, tipo broa, não em forma. Segundo os hábitos antigos, faz-se uma cruz com uma faca. Levar ao forno pré-aquecido a 190º, cerca de 30-40 minutos.
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