Hoje sai texto daqueles por que sou muito criticado, porque coisa para muitos elementar. Sai por decorrência da última entrada em que falei de refogado. Quer dizer falar na gordura do refogado. É hoje coisa essencial na culinária, por razões de saúde, muitas vezes em conflito com a gastronomia “à bruta". Lembro-me de uma vez David Lopes Ramos me ter criticado. “Como é que um açoriano com tão excelente manteiga desde criança pode usar outra coisa?”. Pois é, se não for diabético, se não tiver história familiar de AVC, se não tiver colesterol alto.
Como disse, vou ser criticado, mas sei que muitos meus leitores não são gastrónomos nem cozinheiros encartados e escrevem-me a pedirem dicas muito simples.
A minha tradição familiar e açoriana era de tudo menos azeite, a coisa hoje na moda, que só se usava no galheteiro, para o peixe cozido ou para a salada. Guisados, fritos e estufados eram em óleo de amendoim. Bifes em manteiga. Pratos tradicionais em banha.
Primeiro, o elementar. Comecemos por diferenciar hoje as gorduras de “barrar o pão” e as culinárias. São incompatíveis, porque manteigas ou margarinas magras, para barrar, não podem ir à fervura, para fritar ou refogar. Mesmo para barrar, são enganosas. Se o dietista diz que pode ter um pequeno almoço de uma fatia de pão barrada com uma colher de chá de manteiga magra, como a coisa sabe a pouco, em vez de 5 g de manteiga normal a tendência é usar-se 10 g de manteiga magra e o resultado é o mesmo.
Há três grandes grupos de componentes alimentares: as proteínas (principalmente na carne, no peixe, nos ovos, nos laticínios, em alguns legumes), as gorduras ou lípidos, os hidratos de carbono (farinácios e amido ou açúcares, nos cereais e noutros alimentos). Têm valor calórico diferente. Cada grama de proteínas ou de hidratos de carbono vale 4 kilocalorias, cada grama de gorduras 9.
Falemos então de gorduras. Se gorduras naturais, não transformadas, são 100% de lípidos, portanto equivalente em termos calóricos, 9 kcal por grama. A diferença, e grande, está na composição relativa de lípidos. Não pensando em coisas já mais específicas, como os ómega, há dois tipos de lípidos principais a ter em conta: poli-insaturados e saturados (deixemos de fora o que isto quer dizer quimicamente, assim como o caso menos importante dos monoinsaturados).
Predominantemente saturadas são as gorduras animais (manteiga e banha). O valor calórico é o mesmo, são tão maléficas para alguns casos (por exemplo diabetes) como todas as outras gorduras, mas muito mais perigosas para o sistema cardiovascular (arteriosclerose, AVCs, enfartes, etc.). São as que mais contribuem para a elevação da taxa de colesterol e para o desequilíbrio perigoso entre os seus dois tipos, HDL e LDL (quanto mais o segundo, pior).
No oposto, as gorduras vegetais, óleo e azeite, predominantemente ou quase exclusivamente compostos de poli-insaturados. O azeite está na moda, mas de facto não há grande coisa a diferenciá-lo de todos os outros óleos vegetais. É questão de gosto.
Assim como é questão de gosto, por exemplo no meu caso, não gostar de cozinhar com azeite muitos pratos, designadamente de carne ou, como ainda hoje, um simples ovo estrelado. Se não quiser usar manteiga (que também tem outros riscos, como o de gerar na fervura acroleína, potencialmente cancerígena) o que me resta? Margarina tradicional é quase tão má. Manteiga magra? Margarina de barrar? Margarina dietética de cozinha?
Produtos magros têm em comum a adição de água, de amido, de emulsionantes, até gelatina, com redução para cerca de metade do teor de gordura. Muito bem para comer a fresco mas inadequados para fervura e cozinhados. Mesmo tecnicamente: deslaçam em água e “pé” como acontece com a maionese, porque se desfaz a ação do emulsionante.
Diferente é a margarina dietética para cozinha. Não me repugna fazer publicidade gratuita da que uso, Becel. É praticamente só de lípidos, mas modificando a relação, de forma a ter predomínio de poli-insaturados, como as gorduras vegetais, reduzindo as saturadas a 15%, com 32% de poli-insaturados. As margarinas tradicionais têm mais saturados, cerca de 25%, contra 18% de poli-insaturados, porque afinal, para ganharem consistência, são feitas de óleos líquidos tornados sólidos e saturados por hidrogenação.
Recentemente, apareceu no mercado um novo produto, ainda de melhor qualidade dietética e, para mim, mais saboroso. É um óleo cremoso, em frasco, com 70% de gordura, dos quais apenas 7% de saturados e 36% de poli-insaturados. Não vou muito com ele para salteados de peixe ou legumes ou para fritos, mas estou a usar muito com carnes. Questão de gosto, de sabor, não de dietética.