sábado, 5 de janeiro de 2013

Que coisa simples, o alho

Há coisa mais simples do que o alho? Sobre ele escreveu mais umas das sua boas crónicas o Virgílio Nogueiro Gomes, grande gastrónomo, estudioso da história da gastronomia e por isto, embora ele não se revele como tal, desconfio de que excelente cozinheiro. Só se esqueceu de que, com alho e/ou cebola, é maior a variedade de açordas açorianas do que alentejanas. Porque, para além de cozinha de pão e ervas, a açoriana também é de especiarias, da rota das Índias com a sua volta do largo.

Também só lhe faltou dizer que o Pe Augusto, companheiro de pensão de Alípio Abranhos em casa de D. Adelaide, nunca dispensava untar bem com alho a faca que lhe ia servir para comer desde peixe a carne, o miolo de pão e o fundo do prato. É que ele há muitas questões!... Há questões terríveis!... Há a prostituição, o alho.. ele há muitas questões...

E há coisa mais crítica em cozinha do que saber lidar com as coisas muito simples? Hoje vou falar do alho, Allium sativum, com variantes, desde o alho branco mais vulgar até ao alho roxo, ao asiático, ao criolo, ao porcelana, ao rocambole, etc. Sem esquecer o magnífico produto artificial que é o alho negro.

O que é o alho para a maioria das pessoas? Uma coisa que até dá trabalho a descascar, com a faca, primeiro a casca branca depois a película rosada. Que depois se junta logo com a cebola picada, também à maneira doméstica. É na ultrapassagem destes erros básicos que se ganha direito a um avental de cozinha que mereça estimação. Dir-me-ão alguns críticos habituais, a que já não ligo, que vou escrever coisas banais. Mas muitos dos meus leitores não gostam de ler estas coisas banais?

Peguem numa cabeça de alhos e, obviamente, é fácil separar os dentes, que habitualmente trazem a casca exterior, branca. Remove-se quase que a esfregar com as mãos e chegamos ao que nos interessa: os dentes soltos e envolvidos na sua pele rosada. A partir daqui é que há que tomar decisões. Para uma das muitas sopas alentejanas do tipo de beldroegas ou espinafres com queijo, é assim que vão, inteiros. Para muitas marinadas (a velha vinhad'alhos), estufados ou assados em que o molho no fim é coado, também vão assim, com pele, com um pequeno murro. Em assados, podem ir sem pele mas só cortados ao meio, para não queimarem.

Na maioria dos casos, entram em refogados, picados com a cebola, tudo junto. Primeiro erro: a cebola abafa o sabor do alho. Deve-se começar por alourar o alho picado, sem queimar e só depois juntar a cebola. E toda a gente sabe picar alho? Nada mais fácil. Sobre uma faca colocada sobre o dente de alho, dar uma pequena pancada, a estalar a pele rosada, que assim se retira muito facilmente. Depois, remover a “raiz” e colocar o dente com a parte plana para baixo. Dois ou três golpes paralelos à base, mais outros tantos ao longo do dente, tudo sem cortar completamente o dente de alho e finalmente picar na outra dimensão. Afinal, como se faz com a cebola, sem ser à velha cozinheira. Conforme o gosto e a utilização técnica, o alho picado pode ser usado assim ou a seguir mais ou menos esmagado com uma faca, com a lâmina de lado.

Em algumas preparações, pelo contrário, o alho só entra no fim, por exemplo em crocantes, ou mesmo cru, como no nosso clássico bacalhau cozido. Então, deve ser fatiado muito fino. Também se usa muito o alho cru, em molhos, em pastas, para os mais diversos usos, desde base de “dips” até pasta a barrar uma ave a assar. Num almofariz, bem pisado com sal grosso, um fio de azeite ou banha, outros temperos conforme os casos.

NOTA – mais uma vez, para me acusarem de escrever coisas banais, sabem como fazer um refogado muito suave e elegante? Não é com cebola e alho, mas com coisa de sabor misto, a chalota. É o que mais uso cá em casa, para estufados ou guisados de boa qualidade.

6 comentários:

  1. Eu gosto muito de ler as suas tais ditas coisas banais! Tão banais que passam ao lado de muita gente a nível de teoria a cozinhar. É na atenção a essas banalidades que se traça a linha da diferença. Um resto de bom Domingo!
    Joana Limão

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  2. Professor, continue com as coisas "banais", que certamente muitos dos que criticam até desconhecem! No que me toca, são muito interessantes e úteis. Bom ano!

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  3. É curioso isso que diz de, no refogado, colocar primeiro alho e depois a cebola, porque me parece que a tradição portuguesa é precisamente ao contrário: primeiro a cebola, porque tem um tempo de cozedura mais longo e depois o alho, que coze mais depressa. Mas é verdade que ao colocar a cebola desta, a agua desta faz interromper a cozedura do alho e impede que este se queime. Empiricamente o que tenho feito é: quando quero puxar mais pelo sabor da sabor da cebora caramelizada, ponho esta primeiro. Quando é o alho que quero valorizar, faço ao contrário. Isto faz sentido?

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  4. JG, acho que faz muito sentido. É uma questão de gosto. Como diz, faço assim porque gosto de valorizar o alho

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  5. Nunca tinha pensado nisso de fritar primeiro o alho. Geralmente coloco os dois juntos! Ora, agora tenho de fazer como sugere!

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  6. Já agora... Cá em Portugal vende-se alho negro? Qual a diferença de sabor?

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