Há quem, frequentando alguns restaurantes de cozinha africana ou valendo-se de memórias antigas, considere que o funge é apenas o acompanhamento típico da muamba (ou muambas, sendo a mais tradicional de galinha, mas tendo eu comido também, com frequência, a de peixe). Quando me refiro a memórias antigas não falo dos muitos tipos e níveis de mestiços ou aos “brancos de segunda”, que sabem da poda, mas sim aos metropolitanos que foram à guerra mas que, como eu próprio, não aproveitaram bem para conhecer todo o interessante património culinário de Angola. Funge vai com muito mais, desde logo outros pratos angolanos como o calulu ou o musongué.
Começo pela nomenclatura. Funge é uma papa de farinha e água, de diferentes farinhas. Fuba é a farinha. Sem mais nada, subentende-se que é de mandioca ou farinha de bombó. Mas há outras, especialmente a fuba de milho, com que se faz o funge de milho. E atenção, muito importante: a fuba ou farinha de mandioca com que se faz o funge não é a farinha de pau, finamente granulada, que se torra para polvilhar pratos já cozinhados ou para fazer a farofa. É uma farinha muito fina, como a nossa farinha de trigo e peneirada. Esclareça-se também outro termo que usei, bombó. É a mandioca seca ao sol, de que se faz a farinha, não da mandioca húmida tirada da terra.
Nunca gostei muito de funge (de fuba de mandioca), por ser um pouco insípido e ter consistência grudosa. A quem partilha o meu (des)gosto recomendo o funge da minha sogra, uma especialidade. E nem é invenção de “desdenha-o-preto”, é de quem desde menina, lá no Golungo Alto, aprendeu todas as artes das mais velhas. O funge da família da morena tem mistura de fuba de bombó e de fuba de milho e não deixa de ser genuinamente angolano.
Ainda ontem o fizemos, a várias mãos. Muito diferente em técnica do que eu via no Quissalongo, à beira da Pedra do Feitiço dos fuzileiros. Aí era a panela sobre o lume feito no chão, a farinha e a água bem mexidas pelas mulheres, com uma colher de pau muito forte e de cabo longo, para elas trabalharem quase de pé, com a criança às costas. Agora, é com batedeira.
A receita que se segue é indicativa e foi feita para 12 pessoas.
Peneirar bem as farinhas. Aquecer, entre morno e quente, 8 dl de água e levar à fervura 2,5-3 l de água. Diluir na água morna 300-350 g de farinha de milho, acrescentada aos poucos. Juntar à água que já está a ferver, mexendo. Juntar em porções a farinha de mandioca, cerca de 400 g de farinha de mandioca, enquanto se mistura sempre bem com batedeira e se mantém lume médio. Quando bem homogeneizado, pode-se deixar de bater. Aguardar até fazer grandes bolhas. Está pronta.
E só para muamba? Nada disso. É um óptimo acompanhamento para qualquer prato com bastante molho. Uso-o com diversos guisados e deixo o desafio à vossa imaginação. Com uma última nota: a cada garfada (ou à colher), com o funge bem embebido em molho, a dose é obrigatoriamente a necessária para encher a boca, saborear e engolir, nunca mastigando! Também pode dar um toque pessoal. Por exemplo, incorporar no fim amendoim ou caju torrado e picado grosso. Ou misturar quizaca (folha de mandioca, que se vende em lata nos supermercados) escaldada e picada grosso.
Faz-me crescer água na boca, à muito tempo que não o provo, vou experimentar!
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