Este mês de Agosto a fanar-se foi de férias de crise, em casa. Como protesto, resolvemos ser turistas de dentro, nesta última semana, calções, Ray Ban, panamá, convite a fazer de turista para carteirista, que ainda tenho atravessado na garganta. Mas passemos ao demais, às coisas boas. Ficam aqui só as comidas, sem falar das coisas turísticas à margem, como voltar anos atrás a ver coisas tão vistas como a Sé (a precisar urgentemente de limpeza) e o castelo, mas também coisas novas como o arco da R. Augusta ou a magnífica exposição “Encomenda prodigiosa”, no museu da Igreja de S. Roque (falta-nos ver a parte das Janelas Verdes).
1. Mas vou ficar pelas experiências prandiais destes passeios pela baixa, feitos turistas. A primeira foi no Ministerium, na ala nascente do Terreiro do Paço, um restaurante despretensioso de bifes e petiscos, creio que a cargo de Diogo Noronha, antes Pedro e o Lobo. Ao lado, da parte norte, o Museu da Cerveja, do qual, na net, não encontro informação relevante. Do outro lado, cheio, outro da cadeia Nosolo Italia, presumo que igual ao de Belém, onde vou, com gosto, de vez em quando. Defronte um restaurante com uma ementa desinteressante, o Aura, mais o novo “Chefe Cordeiro”, que certamente merece visita um dia destes.
Os restaurantes de petiscos são hoje quase uma praga. Nestes dias de passeio pela baixa verificámo-lo. Em regra, são da mais confrangedora banalidade. Exceptuam-se os dos chefes conhecidos, Sobral, antes Aroldi, Stanisic, agora Cordeiro também no Terreiro do Paço, mesmo Avillez que, com isto e empadas de centro comercial, sustenta o Belcanto. Este Ministerium é francamente recomendável, com a reserva que farei adiante.
Ficámos pela secção “para picar”. O picapau vinha muito bom, com um molho de mostarda, alho, cominhos, salsa e louro, mas fiquei a suspeitar de que também um pouco de leite de coco. Picles, que não respeitam a provável origem do prato (carne à feira das Mercês) mas que hoje o identificam e o uso faz a regra. Muito bem feitas as bochechas de porco (em bocado visível mas a derreter-se) com gnocchi e cebolinhas glaceada e outro petisco de polvo à Bulhão Pato, com um molho emulsionado de azeite, coentros e sumo de limão (para mim um pouco em excesso). A terminar, um bom leite creme e uma muito boa mousse de chocolate sobre geleia de laranja e coberta com esferas crocantes (arroz tufado e caramelizado?).
Tínhamos de marcar um jantar para mais pessoas, sexta-feira e, bem impressionados, com ajuda do local, voltámos a lá ir. Comemos o mesmo e mais outros petiscos. Que diferença. Tudo com pior confecção, sabores menos apurados. Por exemplo, a bochecha completamente desfeita. Percebe-se que uma noite de fim de semana em época turística não seja muito favorável à manutenção da qualidade de um restaurante, mas o problema é do restaurante, não do cliente.
2. Noutro dia, ao almoço, andámos pelo Bairro Alto. Há muito que a minha mulher tem predilecção pelos dois restaurantes de irmãos, o Sinal Vermelho ao almoço e o Lisboa à Noite, ao jantar. Não conhecia. O Sinal Vermelho não é daqueles restaurantes que me faça lá ir de propósito, como não faz nenhum de comida caseira, que cozinho bem em casa. Mas é certamente um local onde levaria um amigo estrangeiro que quisesse provar genuína comida portuguesa e muito bem feita, com grande variedade de escolha numa lista bem longa.
Só provámos dois pratos mas que, se significativos do conjunto, tornam o restaurante muito recomendável: magusto de bacalhau assado com migas de broa e couve portuguesa, tudo impecável, e almôndegas de vitela com puré de batata caseiro e couve lombarda, exemplo de velha cozinha caseira. Ficámos na esplanada, virando da R. das Gáveas para a Tv. do Poço da Cidade. Do outro lado, um outro restaurante sem um único cliente durante todo o tempo, enquanto que o Sinal Vermelho tinha bem duas dúzias, em almoço de Agosto. Disseram-me que são efeitos já bem notórios do hábito de turistas de consulta ao TripAdvisor ou ao LifeCooler.
3. Sexta feira ao jantar foi outra conversa, o menu de marisco do Assinatura. Vou começando a ser cliente habitual, mas creio que nunca comi lá tão bem. É pena que já não possa recomendar, porque o menu terminou nesse dia. Mas para que fique registo:
- Mimo do chefe – seviche de bacalhau com sálvia e hortelã da ribeira, suspiro preto com recheio de pasta de anchova, chutney de figo com uma haste de massa filo com alheira.
- Ostras, dashi (caldo leve de peixe, no Japão) português (? eu tenho uma versão portuguesa, mas cada um sabe do seu e eu sou amador), pérolas de tapioca, tiras finas de alga combu e pingos de iogurte fumado (o uso de fumados, muito bons, começa a ser uma marca do Assinatura).
- Creme de maçã acidulada, tiras de mação crua, picles suaves de cenoura, cebola e funcho, pingos de maionese com “saté” e açafrão, pastéis de recheio de santola.
- Lingueirão, mais o bolhão e o pato (um achado): como bolhão, tostas muito finas com azeite e alho; como pato, lâminas finas de moelas de pato confitadas. Molho em duas partes, uma redução de pato e um creme com óleo de trufa.
- O marisco e o arroz ( o mais convencional dos pratos, por isto o que me fez descer a nota em 0,5 valores, embora de confecção impecável): tamboril (para mim escusado), camarão, lagostim e lagosta, cozidos e envolvidos num molho de manteiga, acompanhados com arroz de bivalves segundo as melhores regras.
- Pensei que a sobremesa fugiria ao tema mariscos. Nada disso. Gelado de camarão, “hóstias” fritas de camarão, figos, bolo húmido de chocolate.
Sou avezado do Assinatura e sempre saí de lá recompensado pelo jantar, mas creio que esta vez ultrapassou todas. João Sá promete e é bom sucessor de Henrique Mouro (a propósito, vi que o Tavares ainda está em remodelação). Dado que só conhecia – e não directamente – a experiência de João Sá no G-spot, com um género totalmente diferente de cozinha, mais “juvenil” ou “desportiva”, tinha curiosidade do que seria no Assinatura. Vivamente recomendável.
Tudo é muito respeitável e bonito.
ResponderEliminarMas fiquei ao rubro com o sinal vermelho.