quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Manjares dos deuses – o caviar

Às vezes não resisto à pecha de intelectual que tem sempre de dar lições, porque se julga detentor de informação privilegiada. Vou falar de caviar, coisa hoje só para mais tarde recordar. Mesmo provavelmente só muito mais tarde, quando lhe pudermos chegar.

Afinal, há leitor meu que não saiba o que é caviar? Mas, já que aqui estamos… O caviar é um produto derivado das ovas de esturjão, um peixe grande especialmente abundante no mar Cáspio e nos rios que nele desaguam, e também, menos, no mar Negro. Por isto, o caviar é produzido principalmente pela Rússia e pelo Irão. O processo geral de preparação das ovas é elementar. Comem-se cruas e sem qualquer outro tratamento, fumo ou conservação, é tudo.

Há três tipos de caviar genuíno de esturjão: o beluga, o ossetra e o sevruga. São produzidos da mesma forma mas diferem na qualidade que os provadores lhes atribuem. Beluga, só comi na então URSS, em viagem a convite oficial, caviar e vodka em demasia (a valer-me um vaso de plantas onde despejar o vodka dos frequentes brindes). Ossetra e principalmente sevruga comprava eu cá em tempos de vacas gordas. Hoje, caviar é para cima de 400 € por pequena embalagem de 100 g.

Vou falar só das imitações, excluindo duas coisas de que gosto muito, as ovas de salmão e de truta, muito diferentes em gosto e aspecto, grandes e vermelhas.

Há tempos, comi um excelente prato de lavagante, muito simples (“but, oh simple things” ou KISS, “keep it simple, stupid!”) com espargos verdes que eu não consigo fazer tão verdes (mas também não tenho três estrelas), espuma de nata fresca com vodka e caviar. Honestamente, como se exige do Waterside Inn (3 estrelas Michelin), o caviar estava identificado como “royal belgian”. Muito saboroso, não é nada de desprezar, diferindo apenas por vir de caviar crescido em aquacultura, em água do mar. E são 45 libras por 30 g (150 € por 100 g)! Mesmo assim, menos do que podemos comprar em Lisboa, por exemplo o mais barato dos caviares genuínos, sevruga, a cerca de 200 € por 100 g. A escolha de um caviar de aviário também tem a vantagem de permitir servi-lo com alguma abundância. A propósito: há dias, um chefe desdenhou-me o royal belgian, só usa Sevruga (e como se reflecte no preço e na quantidade?). Faça o favor de ir a Bray.

Vou dar um grande salto para baixo, para coisas de qualidade obviamente inferior mas de preço muito mais acessível. Gosto de um tipo de caviar que aqui se vende, de ovas de outros peixes, principalmente de lumpo. O que mais uso é de origem espanhola, “Mujjöl Shikrän”, uma mistura de ovas de arenque e de peixes vermelhos pequenos (salmonete, ruivo), coisa a custar cerca de 10-12 € por 100 g. Um pouco mais barato, também muito aceitável, de lumpo, o de marca Martiko, a 9,8 €  por 100 g. 

Mais caro, o dobro, mas para mim inferior, é um produto de ovas de arenque, Arënkha, agreste, com muito sabor a fumo. Outro produto de origem espanhola (coisas espanholas já se sabe onde se vendem) que ainda não provei é o Anchoviar Cataliment Murcia, 120 g por 17,59 €. Parece milagre de preço, para caviar de esturjão, esturjão mesmo que de aviário. Não deixarei de o comprar um dia destes.

Finalmente, o vulgaríssimo sucedâneo de caviar, tipo Skandia, nas prateleiras de todos os supermercados. Não merece crítica, como não merece ser servido mesmo numa refeição de amigos. Nem ovas tem, é uma pasta de algas pintadas de preto e microesferificadas. É certo que só custa 4,24 € por 100 g, mas essa economia justifica a perda de valor em comparação com o que descrevi? 

2 comentários:

  1. Ah, o икра...
    No shopping do aeroporto de Zurique encontrei há mês e meio a coisa, genuinamente produzida em Bordéus. Cerca de !/3 do preço do caviar iraniano e 1/6 do caviar russo (aprecei-o em Moscovo, em Agosto). Caro mas muito apreciável na sua dimensão sevruga (usando uns velhos francos suíços, esquecidos por mais de 7 anos...), para mim cinco furos (numa escala de 20) acima do икра de salmão, realmente muito agradável.
    Indispensáveis a nata fresca e o vodca. Não desdenho limão, às vezes.
    Apesar das menções encontradas no site ("Para o produzir, Cataliment processa cavala selvagem do Atlântico Norte. O processo é semelhante ao da produção original, muito antiga, mas agora corresponde ao último estado da produção e segurança alimentar. Além disso, os ingredientes seleccionados, tais como o mel, sumo de limão e as especiarias são adicionadas à fermentação, que dura dura vários dias até atingir o toque especial de sabor e aroma. Além disso Cataliment desenvolveu um processo de embalagem avançado...") estou realmente interessado em provar.
    Como diria um grande amigo meu: o caviar é uma das provas da existência de Deus...

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  2. JL, fico a salivar... Vou procurar se se vende cá esse Cataliment. Só vi no site.

    Acho que não deve meter na comparação as ovas de salmão. São muito boas, mas coisa bem distinta do caviar.

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