Está longe de ser a primeira vez que escrevo sobre bife. Vale a pena mais? Certamente, porque quem não gosta de um bom bife e ganha com alguma troca de impressões e de experiências sopre esta coisa culinária tão simples e tão difícil? Vou por todos os bifes. Os meus favoritos são o bife à Marrare, o seu primo à café e o regional micaelense, mas não desdenho qualquer dos outros tradicionais portugueses, um bife com pimenta ou qualquer bom bife simples de óptima carne desde um T-bone a um bife argentino no churrasco.
Relembro o essencial. O bife à Marrare é um bife do pojadouro ou da alcatra frito em manteiga, juntando-se alho. Retirado o bife, acrescenta-se mais manteiga, tempera-se com sal e pimenta e faz-se o molho com leite. Acrescenta-se sumo de limão. Pode-se enriquecer esta receita, como faço, usando carne de melhor qualidade, rejeitando a gordura de fritar e fazendo o molho com leite e nata.
O bife à café é frito, genuinamente, em manteiga com alho. Junta-se mais manteiga fresca à manteiga de fritar os bifes e três colheres de sopa de leite em que se dilui uma colher de café de maizena ou fécula de batata. Deixa-se ligar mexendo sempre e acrescenta-se sumo de limão e uma colher de café de mostarda. Costumo usar um pouco de cerveja para levantar os sucos caramelizados, antes de juntar o resto para o molho. Também tempero com pimenta preta e pimenta da Jamaica, esmagada, e uma ponta de massa de malagueta micaelense.
Hoje, não vou apresentar nenhuma criação especial. É apenas uma troca de impressões, na sequência de um bom almoço há dias, feito com esmero: uma variante pessoal de bife à café, a que, por ter sido feita em casa, chamei ambiguamente de bife à café de Alfragide.
Bife
Como não o faço todos os dias – até por restrições dietéticas – acho que um bom bife vale uma boa carne, mesmo em tempo de vacas magras. Pode-se usar outras carnes, as que os talhantes muitas vezes vendem quando se pede apenas carne para bife, como pojadouro, alcatra, acém comprido ou redondo, tudo carnes de primeira. Eu vou só pelo lombo (nos Açores, lagarto) ou pela vazia. No caso do lombo, prefiro que me cortem os dois ou três bifes de 2 cm de espessura que dá a cabeça do lombo, em vez dos bifes tirados da cauda do lombo. Os primeiros dão um corte mais transversal às fibras, ao passo que quanto mais estreita o lombo mais inclinado tem de ser o corte.
Não tenho pressa em os utilizar. Três ou quatro dias no frigorífico só lhes faz bem. Claro que também não os bato. Um bife de lombo que necessita de ser batido é estranho. Para fritar, ao contrário do que é moda dietética, prefiro manteiga a azeite, que, para meu gosto, dá ao bife um gosto enjoativo. Muita gente julga o contrário, mas não há prova provada dos alegados malefícios da manteiga, em pequena quantidade, como a que se usa só para fazer fundo da frigideira. Em todo o caso, mas também sem indiscutível fundamento, pode-se substituir a manteiga por margarina dietética de cozinha (não de barrar!).
Como toda a gente sabe, o aspecto crítico é o ponto da carne. Habitualmente, fala-se de mal passado (“rare”, para quem pedir no estrangeiro), ao ponto ou meio passado (“medium rare”) e bem passado (“well done”). Eu acrescento o um quarto de passado), em que o interior está bastante rosado e mole mas o bife já não deixa escorrer o suco sanguinolento. Quanto a tudo isto, é difícil de instruir com exactidão, porque depende muito do lume, do peso e espessura do bife e até da própria frigideira e das suas características térmicas.
A título meramente indicativo, um bife mal passado está pronto ao fim de 3 minutos (metade de cada lado); um bife ao ponto ao fim de 2 minutos de selagem de cada lado e mais cerca de 3 minutos de fritura a menor temperatura; um bife mal passado é selado de cada lado durante cerca de 4 minutos, fritando a menor temperatura durante mais 6 a 8 minutos. Um truque é o de se avaliar do ponto pela consistência quando se pressiona o bife, comparando com a consistência da eminência ténar, a zona da mão que une o polegar ao pulso. Experimentem avaliar a sua consistência quando se une a ponta do polegar à ponta do indicador, do médio ou do anelar. Vai ficando cada vez mais dura. A primeira é do bife mal passado, a segunda do ao ponto e a terceira do bem passado.
A técnica mais fidedigna é a de medição da temperatura interior, por meio de um termómetro de agulha. Pode parecer estranho eu falar de tal instrumento, como se não fosse coisa de amador. De facto, é aparelhinho bem barato e que devia haver em todas as cozinhas. Veja-se a sua utilidade em assados. As temperaturas que indicam os três pontos – mal, médio e bem – são, respectivamente, 45º, 60º e 70º. O meu ponto é de 50º. Para verem qual o vosso e poderem sempre reproduzir a confecção, meçam a temperatura de um bife a vosso gosto imediatamente antes de o tirarem da frigideira (se o fizerem já no prato não é fiável, porque a temperatura continuou a subir).
Há outra coisa em que não sigo a técnica habitual, indo mais pelo uso mais recente. Tradicionalmente, selava-se o bife de uma só vez, primeiro de um lado e depois do outro, a lume forte. Depois, baixava-se o lume ou até se podia levar ao forno pré-aquecido a 140-160º. Eu dou-lhe uma fritura mais uniforme e sem ficar muito crestados seco por fora, sempre a lume alto, mas virando a cada meio minuto, desde o início.
Finalmente, duas coisas bem sabidas: sal já com o bife meio feito ou mesmo no fim, e flor de sal. Dar tempo ao bife, num prato fora do lume, para deixar sair o resto do suco, que se aproveita para o molho.
Molho
Reduzi a metade 2 dl de vinho branco com 2 dentes de alho laminados, uma haste de tomilho e só um pouco de folhas de estragão, bem como 6 grãos de pimenta preta e 4 de pimenta da Jamaica. Numa caçarola, a lume baixo, tostei 1 colher de sopa de farinha, mexendo bem, até ficar bem dourada mas não queimada. Deixei arrefecer e misturei bem com a redução de vinho e 1 dl de leite aquecido, levando a lume baixo e mexendo com varas até ficar aveludado muito espesso. Juntei 1 colher de sopa de geleia de carne (porque a tenho sempre, feita por mim pelo menos uma vez de quinze em quinze dias; de outro modo, pode-se usar 1 dl de caldo de carne bem concentrado) e deixei fervilhar, a aveludar, juntamente com o suco entretanto libertado pelo bife. Corrigi a espessura e os temperos e, no fim, sal (cuidado com o sal da geleia ou do caldo), 2 colheres de chá de mostarda, 2 colheres de chá de molho Worcestershire (molho inglês) e sumo de limão, a gosto.
Batatas fritas
Sempre fiz, como julgo que quase toda a gente, simplesmente introduzir as batatas numa fritadeira com temperatura regulada para 180º ou numa frigideira com óleo bem quente (o truque de um pedacinho de miolo de pão ficar dourado). Modernamente, os bons cozinheiros fritam em dois passos, primeiro a 150º, cerca de 5 minutos, escorrendo as batatas e acabando de as fritar, antes de servir, em óleo mais quente, a 180º. Ficam mais cozinhadas no interior e estaladiças por fora. Faço sempre assim, com muito bons resultados.
Mas se costumam ser bons, desta vez foram óptimos, seguindo a técnica de fritura em 3 passos de Heston Blumenthal: bem cozinhadas por dentro, com bela textura, e bem estaladiças. Dá trabalho, mas nunca tinha comido batatas fritas tão boas. Começa-se por se semicozer as batatas em água sem sal, só a fervilhar, durante 20 minutos. Depois de escorridas, vão ao frigorífico durante uma hora. O resultado é tornar a superfície dos palitos porosa, para deixar penetrar mais gordura no passo seguinte, de fritura a 130º, durante 5 minutos. A fritura seguinte é como na técnica anterior, a 180º. Nesta experiência, não confiei no termos tato da fritadeira e usei um termómetro de altas temperaturas para xaropes (não é o de baixas temperaturas que usei para o bife), controlando com cuidado a escala da placa de indução para manter estável a temperatura. Foi requinte de primeira vez, dá muito trabalho. Usarei a fritadeira, depois de testar se o seu termostato funciona bem.
Esparregado
Outro acompanhamento vulgar de bifes, e à medida das minhas necessidades dietéticas. tenho pouco a dizer. Faço-o frequentemente com espinafres mas o meu favorito, hábitos açorianos, é de nabiças. A técnica é básica. Usar só as partes verdes das folhas, escaldar durante um minuto em água sem sal a ferver bem, escorrer e lavar, ferver durante 15 minutos em água com sal, a ferver alto, com a panela destapada (uma colher de chá de bicarbonato de sódio ajuda a avivar o verde). Para saltear, o azeite, em pequena quantidade, é previamente aromatizado com alho laminado, a baixa temperatura para não queimar, e que se retira depois. Antes de saltear, as folhas de nabiça são picadas com duas facas, nunca de forma mais violenta (moinho ou misturadora). Para amaciar, nata qb. Pimenta branca e um pouco de preta, moídas a fresco, e é tudo. Como toque pessoal, gosto de polvilhar com amêndoa ralada grosso, para contrastar com o amargo.
Bom, como moro também em Alfragide, fui a correr ler onde é se comia o tal bife! Percebi depois que o título era afinal enganador mas perdoa-se facilemente a desilusão pela valia das informações aqui recolhidas. Na verdade, para mim, mais que o método, o principal problema dos bifes é a qualidade da carne que, na maioria dos casos, deita tudo a perder. Umas vezes é fibrosa e dura, quando tenra é muitas vezes insípida. Consegue encontrar carne de vaca de qualidade com facilidade? Não vale dizer que vem directamente para si dos Açores....
ResponderEliminarQuanto ao molho, eu faço muitas vezes a redução de vinho com Madeira seco. Fica outra coisa, eu sei, mas é muito bom. No outro dia, à falta de Madeira, improvisei com Lajido (já vês tenho atracção pelas ilhas!) e também me safei. Obrigado pelas dicas. JG
Claro que o Alfragide era brincadeira deste cronista que lá mora.
ResponderEliminarCarne dos Açores (vazia, às vezes lombo, também com designação regional de lagarto): às quartas na loja dos Açores na R. de S. Julião. Mais prático, também às 4as mas nem sempre, no Corte Inglês.
Obrigado pela informação. E perdoe-me pelo «vês», foi gralha, é claro.
ResponderEliminarSe não fosse gralha, não me importava nada
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