Desde há algum tempo, tendo começado por brincadeira de uns bem divertidos e passando a coisa séria, reina a moda de “o melhor do mundo”. Há uma versão especial desta afirmação perentória de quem não sabe nem pode saber mais do que a sua própria experiência permite. É o melhor do mundo segundo Miguel Esteves Cardoso (MEC).
MEC sabe de tudo e sobre tudo opina como árbitro de elegâncias. Ele sabe as regras ínfimas sobre o chá perfeito, até se leite primeiro ou chá primeiro. Ele conhece sempre, mesmo que a léguas de Colares, o único fornecedor decente de salsa ou de coentros. Opina sobre todas as suas séries televisivas, que ninguém consegue ver em 24 horas diárias. Ele e a sua Maria João, sempre despudoradamente exposta à quebra de privacidade nas crónicas de MEC, entretêm-se no jogo ultra-snob de se esconderem um do outro na perfumaria para escolherem uma fragrância (claro que ele nunca diz perfume) que depois verificam que condiz com a escolha do outro. irresistível, como “charme discreto da burguesia” (decadente).
Para o que conta neste blogue, centro-me nas divagações gastronómicas de MEC. Vive de saber que quem sabe não está para perder tempo a corrigi-lo. Quando ele escreveu um chorrilho de erros pedantes sobre bivalves, foi desfeito, elegantemente, por um especialista. Também eu uma vez, neste blogue, mostrei a ignorância de MEC sobre a gastronomia açoriana, por ele discutida num capítulo do seu livro “Em Portugal não se come mal” e em diversos artigos nos suplementos do Público.
E foi também agora no Fugas que aprendi tudo o que, superiormente, MEC tem a ensinar-nos sobre a arte única de preparar caipirinhas. Admito que estou pior colocado do que em relação à gastronomia açoriana. De caipirinhas (não falo das variantes em ochka e similares) só sei o que me ensinaram duas competentíssimas amigas brasileiras, o que provei em muitos e conceituados bares ou em botecos mesmo populares, no Rio ou em Salvador e, já que estamos em época de YouTube, tudo o que por aí anda de vídeos com demonstrações de barmen reputados.
Assim, quem sou eu para duvidar do que são as regras máximas de MEC? Que o gelo deve ser em cubos, quando uma das tais amigas, dando-me a tarefa de a ajudar, me vigia sempre o tamanho do gelo que estou a picar? Fora isso, as regras são tudo o que qualquer pessoa comum sabe cá deste lado do mar: cachaça de boa qualidade, limas em bom estado e retirada a parte branca central, cortada em gomos que são cuidadosamente premidos contra o açúcar, sem esmagar demais. É novidade?
Mas no meio da minha ignorância sobre esta lição de MEC, há coisa em que provavelmente tenho muito maior experiência: o limão galego. Duvido de que MEC alguma vez o tenha comido, coisa que fiz desde criança, numa ilha em que eles são vulgares e indispensáveis em alguns pratos tradicionais, como os torresmos de molho de fígado.
Diz MEC que a caipirinha genuína é feita com o limão galego, hoje muito difícil de encontrar. Não sei onde foi buscar essa informação, mas não a ponho em dúvida, admitindo que a fonte de MEC é fidedigna. O que é bem sabido é que hoje toda a gente, mesmo a mais conhecedora e profissional, usa no Brasil o que cá se chama lima, a lima verde.
Nesta história de limas e limões, MEC enreda-se como quem não domina muito a botânica. Começa por designar o limão galego como Citrus aurantiifolia, quando de facto é Citrus x aurantifolia. O x quer dizer coisa muito importante, que se trata de um híbrido e não de uma espécie. Ao que julgo saber, não é assim tão rara no Brasil e usa-se indiferentemente da lima mais comum, dependendo do gosto – o limão galego é mais ácido e, nos Açores, tem um pequeno toque de sabor a laranja. A lima persa, a outra mais vulgar variedade e a que mais nos chega cá, é também chamada, como diz MEC, a lima Taiti, um híbrido com designação científica Citrus x latifolia. Não deriva é de limão da Pérsia, que não é, como escreve MEC, o Citrus aurantium, designação sim da laranja amarga. É, sim, o também chamado limão doce, Citrus limettioides. Quanto ao outro progenitor, que dá o nome latifolia, é uma outra espécie, conhecida como limão Bearss. Quanto ao limão cravo (Citrus limonia) de que fala MEC, um híbrido de mandarina e limão, não tem nada a ver com esta história.
Finalmente alguém com coragem para dizer que o rei vai nu!
ResponderEliminarBrilhante. Mas o MEC faz-nos falta. Até para conhecer e ficar imediatamente fã dos torresmos de molho de fígado. Citrus, saúde!
ResponderEliminarE o MEC responde com uma bofetada de luvas brancas no "Fugas" deste sábado, 15 de março. Por mim, gosto dos dois.
ResponderEliminarassim se aprende elegantemente, com ambos.
ResponderEliminarQual elegância?... Leio acima e coisa que não vejo é elegância, precisamente.
ResponderEliminarLamento que na internet se tenha a tendência para se levar a crítica para o campo pessoal, mesmo quando esse aspeto é totalmente irrelevante para desmontar os argumentos do criticado. Lamento que só raras vezes a crítica assuma um tom honesto, que valha por si só e com um tom amigável ou, vá lá, pelo menos civilizado. E com mais pena fico quando os textos e conhecimentos de João Vasconcelos Costa me parecem excelentes e inspiradores, pois a perda é maior.
Estou sempre pronto a considerar as crítícas que me fazem e quanta vezes lhes reconheço razão. Não é o caso, porém, do comentário anterior. Só me parece que abordei aspectos pessoais de MEC no 2º parágrafo e não me parece que sejam irrelevantes. Hoje, quem se expõe na comunicação social e, principalmente, quem quer de alguma forma contribuir para a informação ou formação dos outros deve ter credibilidade, sujeitando-se a críticas sobre a sua atitude geral, para além do que escreve. Aliás, não toquei em nada de privado. Tudo o que disse é dito pelo próprio MEC, por exemplo o que se passa na vida do casal.
ResponderEliminarNota - normalmente, não respondo a comentários anónimos, da mesma forma que nunca os faço. Neste caso, abro excepção. Para que se veja que este meu hábito de assinar o que escrevo mostra desonestidade e incivilidade.