segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Omeleta

Passa pelos cinemas um filme divertido, embora nenhuma obra prima cinematográfica, “A viagem dos 100 passos” (péssima tradução trocando passo – yard – com pé – foot). A principal qualidade do filme, para um gourmet, é deixar a salivar naquele duelo de cozinha francesa clássica e de cozinha indiana, no fim resolvido por um exercício de cozinha de fusão. Por virtude de um cozinheiro iluminado, para quem não há tabus e todos os sabores do mundo pertencem ao património de toda a cozinha do homem.
Para desafiar a “madame” do estrelado restaurante francês a contratá-lo como aprendiz, o jovem indiano sujeita-se ao que ele sabe ser a prova máxima: uma omeleta. Pode haver coisa mais simples? O que é isso de simples em cozinha? Eu sei quantos anos me foram necessários até saber fazer hoje um molho holandês que fica sempre perfeito e que até nem faço em banho-maria, só regulando o lume.
Ao provar a omeleta, Madame Mallory (a extraordinária Helen Mirren), exprime de costas quase um orgasmo, da cabeça às ancas. É um momento sublime de cinema.
Sempre fiz omeletas com “fines herbes” (salsa, cerefólio, estragão, cebolinho, hoje bem viçosos na minha horta de varanda), mas um pouco “à la matroque". Hoje, desafiado pelo filme, fui estudar. Curiosamente, Escoffier passa-lhe por cima, como em geral em relação a outras omeletas. No Larrouse vejo coisa banal, o que sempre fiz. Quem lhes dedica mais atenção é o “Le Cordon Bleu”. Aqui vai a receita.
Omeleta com “fines herbes”
12 ovos, 120 g de manteiga clarificada, sal, pimenta, 5 hastes de cerefólio, 5 hastes de cebolinho, 5 hastes de estragão, 5 hastes de salsa. 30 g de manteiga, sal e pimenta. 
Branquear em água a ferver e passar imediatamente para água fria. Picar as ervas. Preparar o prato desservir, amornando-o, untando com manteiga e temperando com sal e pimenta. Manter quente. Abrir os ovos para uma tigela, temperar e bater com varas, juntando as ervas. Aquecer a lume médio, numa frigideira, a manteiga clarificada (liquefazer a manteiga no micro-ondas e aproveitar só o líquido transparente, sobre o depósito opaco). Quando a manteiga começar a fervilhar, juntar os ovos, mexendo bem com uma espátula e depois com um garfo, a arranhar o fundo para que a parte de cima também coza, fluindo para baixo. Quando os ovos estão prontos, o que se vê por já não terem líquido que se possa misturar, dobram-se como omeleta, em duas vezes. Quem é habilidoso faz isto só agitando a frigideira. O amador pode usar uma espátula grande. Pincelar com manteiga derretida antes de servir.
Mas a omeleta do indiano é mais rica. Não a consegui captar bem no filme nem, depois, na net. Fiquei com a ideia de que levava cardamomos e açafrão indiano (turmérico).

Também já tenho dito que estou a ultimar um livro de reconstrução da cozinha açoriana, receitas com alguma criatividade de autor e com técnicas modernas, mas respeitando os ingredientes e os sabores tradicionais. A cozinha açoriana não é muito de ervas, mas podemos usar a salsa, a hortelã e o poejo, acrescentados de um toque de sementes em pó, como os coentros e os cominhos.

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