A alta técnica pode parecer coisa só para profissionais. Pode exigir instrumentos que um amador não tem, como um forno a vapor (mas pode ter, facilmente, um sifão, um maçarico, um aparelho simples de fechar sacos a vácuo, um banho com termostato para baixas temperaturas, um fumigador). Mesmo o forno a vapor pode bem ser substituído pelo forno vulgar com o tabuleiro cheio de água e pré-aquecido a 150º durante o tempo suficiente para a porta do forno estar bem embaciada. Resta saber é se o resultado compensa o gasto de energia.
Hoje vou dar dicas sobre duas coisas comprovadas com bastante minha experiência, a primeira bem simples, a segunda talvez mais elaborada: ovos escalfados no micro-ondas e esferas sem ser à Adriá.
Um ovo escalfado, ou só a gema, sobre uma boa combinação de ingredientes, num ramequim de ir ao forno a vapor, fica ótimo, macio. Também pode ser feito no micro-ondas, por si só ou a cobrir qualquer mistura já cozinhada ou a cozinhar simultaneamente, se as condições de cozedura do ovo também forem adequadas a essa mistura. A técnica é muito crítica e vale para ovos acabados de retirar do frigorífico e para potência de forno de 900 W, com prato rotativo e tampa. A gema fica semi-cozida e ainda mole, mas já consistente, ao fim de 8-10 segundos. A clara ao fim de 50-60 segundos. Para ovo completo, começar por cozer a clara durante 45 segundos, colocar sobre ela a gema e cozer mais 10 segundos. Voilà!
Adriá criou a esferificação, com base no alginato incorporado em qualquer que líquido que se imagine e depois colocando gotas da mistura, com o tamanho desejado, numa solução de cloreto de cálcio. São produtos que se tem de comprar a fornecedores especializados. Sugiro duas alternativas.
A primeira é a utilização de um produto à venda em bons supermercados (ou no armário de qualquer laboratório de análises), o agar (também dito agar-agar). É uma adaptação da técnica de Adriá popularizada por Xavier Pauly. Mistura-se agar em pó ao líquido que se que se quer esferificar, a 2%. Isto é, 2 g de agar por cada dl do líquido. Ferve-se e homogeniza-se bem. Ainda relativamente quente, sem ter ainda gelificado, passa-se para uma seringa ou pipeta e deixa-se gotejar, no tamanho que se deseja, para um recipiente com óleo muito frio (no frigorífico ou mesmo algum tempo no congelador). Vê-se bem formarem-se as pérolas, que se retiram com uma colher de rede ou uma escumadeira. Voilà! A grande, muito grande limitação é que o interior das esferas fica em gel (semi-sólido) e elas não “rebentam na boca”, à Adriá.
O agar pode ser também um bom substituto para a gelatina. Tem a vantagem de gelificar a cerca de 40-45º, sem precisar de ir ao frigorífico, como muitas vezes temos de fazer com as gelatinas à base de colagénio. A concentração de agar varia, mas, para uma geleia consistente quanto baste mas leve, ronda 1%, podendo ir-se a 1,5% para ficar mais sólida. Lembre-se que x% quer dizer x gramas de agar por cada porção de 1 dl ou 100 ml (ou 100 cm3) de líquido.
Uma outra forma de esferificação que uso, mais limitada mas mesmo assim versátil, baseia-se um produto natural, coisa corrente em velhas casas de infância: a massa pérola. Canja e caldo de carne, era eu miúdo e a aprender estas coisas, eram muitas vezes clarificados, em bom consomê e acrescentados de massa pérola. Outras vezes, a massa ia com creme de galinha. Não dava muito sabor, mas o efeito visual era magnífico. Foi coisa que praticamente desapareceu, a massa pérola, nem nos Açores já há, mas compra-se aqui em algumas lojas dietéticas como sagu (não confundir com um prato de vegetais indianos e coco ralado, com o mesmo nome) ou tapioca.
Não são exatamente a mesma coisa, mas na prática são quase equivalentes. Em ambos os casos, são pequenas esferas, brancas e opacas, de uma massa dura. São ambos produtos secos e comprimidos de amido, o sagu proveniente de uma palmeira do sueste asiático, a “sago palm”, no segundo caso a tapioca a partir da mandioca.
O efeito é principalmente decorativo, visual, pelo que a massa deve ser preparada num líquido qualquer bem corado. Até pode ser água (ou caldo) com um corante alimentar. A técnica é simples. Aquecer o líquido e cobrir bem as pérolas, a incubar e amolecer durante cerca de 2-3 horas ou mais, não há limite, é como se fosse demolhar feijão. Levar a fervura, a lume brando, cerca de 1 hora, até a massa estar inchada, translúcida e colorida. Atenção, coisa importante: fazer sempre à última hora, não deixar arrefecer, senão colam-se e não se consegue separar. Voilà!
Ainda há dias, foi um creme de galinha com pérolas em suco de beterraba. Também podia ter sido vinho do Porto, tinta de polvo ou choco (claro que não estou a pensar no tal creme de galinha), sumo de morango, moído de verduras, etc.
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