terça-feira, 8 de outubro de 2013

Ponto e contraponto da cozinha

Há algumas coisas estranhas na minha tradição gastronómica e de cozinha familiar. Já aqui tenho falado. Coisa que me encanta é a morena, ao ouvir-me sobre a casa de menino, lembrar-se de coisas muito semelhantes da sua infância angolana. Às vezes, coisas tão simples, como os pasteis de massa tenra (vou ver como são no Café Lisboa, Avillez!) cujo recheio era bem picado com facas, não a pasta que hoje se come e era de restos de carne assada. Ou pratos de cozinha simples de família, iguais nos Açores e em Angola, como um bom arroz de repolho e chouriço, ou a carne assada que não era carne assada, era peça inteira marinada e estufada na panela, ou uma carne recheada à antiga.

Engraçado é que as duas avós, que hoje gozam lá em cima com o gozo de quem aqui deixaram, não tinham raízes comuns. Uma açoriana, outra angolana, bem enraizadas na sua terra, mas certamente possuidoras de uma sabedoria culinária de gerações.

Vou dar três exemplos de cozinha de família, todos no meu livro. Chamo-lhe assim, cozinha de família, porque não tem a ver com qualquer tradição popular ou mesmo de cozinha urbana. Começo por um ícone familiar, de domingo ou dia de festa, não por ser caro mas por dar trabalho, a galinha de molho de perdiz. Tecnicamente, tem um pormenor especial. A galinha, inteira, é escaldada cerca de 5 minutos, a dar um caldo ligeiro, e só depois vai a assar, com bastante manteiga e caldo. É desmanchada e servida fria embrulhada numa maionese trabalhada com a gordura do assado, o fígado e ervas. E serve-se obrigatoriamente com champanhe bruto. Hábito antigo que sempre me fez enjoar qualquer espumante adocicado, como se usava mais – e talvez ainda hoje – em Portugal.

Porquê molho de perdiz, bicho que até não existe nos Açores? Nem sabem quantas horas de pesquisa já gastei. Encontrei coisas que podiam ser pistas, mas que me pareceram não fazerem sentido. Quem saiba que me ajude.

Outra coisa que se fazia semanalmente na minha casa, sem nome, a acompanhar a simples galinha assada, era um arroz refogado, com amêndoas e passas. Não diz alguma coisa? Simplesmente, antes do hoje conhecido arroz árabe, isto era na década de 50 e herdado da tradição de família. De um velho antepassado sefardita que tive?

E o que sempre foi o peixe assado da minha casa? Simplesmente temperado com azeitonas e nozes (e mais algumas coisas que não digo…). Nem nos livros de cozinha francesa encontro isto. Podia ser, cozinha de hotel porque um meu trisavô vinha a Lisboa comprar vestidos para as senhoras e comer em bons restaurantes, pedindo receitas, mas este peixe não encontro.

E até, como nos rimos deliciados, a comer, há dias, as coisas que as nossas avós nos faziam, até as simples papas de custarda ou de maizena, ou as de farinha torrada da minha avó!

Fica a continuação para a morena. Também ela tem recordações bem vivas de criança educada no “gosto de bem comer”, em mistura de cozinha angolana e de cozinha portuguesa, nomeadamente a transmontana, que a sua mãe foi buscar à família do marido. Das boas cozinhas regionais portuguesas, a transmontana, cozinha rústica mas muito boa, a tirar proveito da melhor qualidade possível dos ingredientes.

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