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terça-feira, 30 de junho de 2015

O Talho

Há já algum tempo que desejava ir ao Talho, depois de ler boas críticas. Hoje vai a minha, em estilo telegráfico. Espaço agradável, com boa decoração, ao estilo do que gosta a clientela: jovens gestores ou yuppies que não estão a sofrer a crise nem o desemprego de licenciados. Com esta clientela, e uma mesa de turistas, fora nós, era o padrão de moda e sucesso do restaurante. Vamos a ver com o CookOff, porque esta clientela cultiva-se hoje gastronomicamente é com Masterchefs e que tais. 
Péssima acústica, a impedir qualquer conversa mais aconchegada. Nos sanitários, um dispensador de toalhas de papel, preso à parede, como se vê em qualquer tasca. Amesendação correta e serviço muito aceitável, com excesso de casualidade dos uniformes, mas de acordo com o restaurante (Nota – já raramente se vê pessoal de mesa com casaco e gravata).
Couvert de bons pães, incluindo papari, uma boa pasta de fígado e duas manteigas, uma de parmesão e outra de especiarias tailandesas. Com a água filtrada, fica por 7,25 €, o que, somado aos 45€ do meu de degustação, é carote. Vamos ao que se comeu. No entanto, a refeição é carta é mais razoável, com entradas entre 9 e 11 € (fora o foie gras), pratos entre 17 e 23 € e sobremesas à volta dos 6 €.
Croquetes. Uma desilusão. O que tinham de bom, o sabor dos restos das carnes de cozido, com destaque para hortelã, tinham mau de confecção, moles, molhados, com o polme a soltar-se dos croquetes. Em contrapartida, uma boa maionese de chouriço, nada agressiva.
Ceviche. Muito bem, com ótimo peixe (qual? esqueci-me de perguntar), o leite de tigre muito equilibrado. Pequena crítica: um fundo de puré de batata doce, muito aguado, a não adiantar nada ao misturar-se com o molho do ceviche.
Foie gras. Vinha foie gras maturado, cereais tostados, geleia de saquê e líchias. Muito boa a combinação asiática com as líchias. Foie gras de muito bom nível, mas com excesso de sinais da salmoura.
Bochecha de vitela sobre cuscus de frutos secos e legumes à grega. A bochecha estava excelente, estufada a baixa temperatura, a desfazer-se. Cuscus muito bem temperado, os legumes marinados em vinho branco e salteados, ao dente. Nada a reparar.
Borrego tandoori, chutney de pêssego, molho de iogurte, pão pita barrado de molho do assado, lentilhas salteadas com coentros, estes a irem muito bem com o tandoori e o molho. O borrego muito bem assado, a preparação suave, sem agressividade do tandoori. Novamente, o resto a condizer, alta classificação.
Finalmente o bife, o que eu mais esperava. Nota máxima para o lombo, também para a fritura em ponto certo, um pouco abaixo do “medium-rare” mas sem suco. Também o molho do chefe, uma variante de molho castanho à base de demi-glace ou de glace de viande, com nata, em que se notava gengibre, estava de bom nível, mas sem me maravilhar. A farofa a acompanhar não adiantava nada. Desgraça foram as batatas fritas, em palitos muito finos, sem qualquer enfarinhamento interior (veja-se as batatas em 2 ou 3 frituras) e temperadas com ervas, o que acentuou o sal. Estavam inaceitavelmente salgadas.
Como sobremesa,um gelado de goiaba sobre uma bolacha crocante de arroz e um pouco de curd de limão, acompanhado por dois pastelinhos com recheio de crème brulée, gelados. Bem conseguido, mas preferia os pasteis não gelados, a fazer contraste.
Entre 0 e 5, 4,2, por alguma falhas indesculpáveis que não são compensadas por outras coisas muito boas.

domingo, 11 de novembro de 2012

Outra vez o bife à café

Muito tenho escrito aqui sobre o bife à café (não é bife com café!). Hoje, é coisa que se come ainda em algumas cervejarias tradicionais ou cafés-restaurantes como o Nicola ou o Império. Na grande generalidade dos restaurantes de bairro, come-se o “bife da casa” – seja lá o que isto signifique – ou o habitualmente execrável bitoque.

No meu tempo de jovem estudante, o bife era essencial, era o luxo que nos permitíamos depois de uma reunião associativa bem frutuosa. Como muitas dessas reuniões eram na minha casa, na então Av. 28 de Maio, no prédio depois famoso pelo caso Casa Pia, de que nunca suspeitei, lá íamos ao José Ricardo, na Av. da República. Não era grande coisa, mas era notável em relação qualidade preço: um bom bife por 12$50 (hoje 6 cêntimos!). Perto também havia o 1º de Maio. De resto, mais uns icónicos, a sobressair a Portugália, então só na cervejaria original na Almirante Reis. Com o terraço com cinema, coisa magnífica.

O bife à café tem muitas variantes porque a sua origem tem pouco mais de 100 anos. Antes, o que se comia nas tascas anexas aos talhos era um simples bife frito em banha, muitas vezes com alho e louro, "à cortador". Temperos e presunto vieram depois. Também era assim na minha terra, e até hoje, mas, lá, juntando malagueta e desglaciando com vinho branco.

A grande inovação veio com o bife do Marrare do polimento, na R. dos Sapateiros, afrancesado, com pimenta preta e nata. Caiu no gosto dos seus frequentadores de ceia depois do S. Carlos, sabia-lhes ao que Fradique escrevia nas suas cartas, só não entrou no jantar oferecido por João da Ega ao cornudo do Cohen porque bife não era coisa requintada para jantar de gente bem educada e no Hotel Central.

Mas bife com natas era coisa amaricada e carota para o cliente de taberna. Daí vem a sua adaptação a bife à café. Bifes à café há muitos, mas podemos definir o essencial: à manteiga de fritar o bife junta-se farinha ou fécula de batata diluída em leite; tempera-se com mostarda e sumo de limão. Claro que sem café, “à café” e “com café” são coisas bem diferentes. Como receita básica, é tudo. O resto é aquilo em que se vê o artista.

O meu artista de hoje estava mal inspirado. Fui ao Relento, em Algés, boa catedral de bifes da minha juventude. Tinha ido lá há um ano ou mais, mas a morena moderou-me, “está muita gente, talvez seja a razão da má qualidade”. Hoje não havia razão, almoço com o meu filho em sala vazia. Opinião unânime de dois: boa carne (creio que alcatra), grande quantidade (talvez 300 g), ovos de fritura impecável em equilíbrio de gema e clara, boas batatas fritas. Mas molho execrável, farinhento, a saber só a mostarda de má qualidade, nem Savora devia ser. Só água, nada de sabor de leite. Nada do fundo de fritar o bife.

Para não me acusarem de falar de poleiro, aqui fica a minha receita.

À MARGEM – Vai sair coisa brejeira. Há muitos anos, ainda eu andava pelos lados de Entrecamos, is muito a um restaurante banal, de "barra", ali na zona. era seu frequentador um pândego, miserável mas muito composto e de porte digno, que só jantava uma taça de arroz doce, não tinha dinheiro para mais mas também não pedia. O que fazia sempre era lastimar-se para os vizinhos do banco ao lado: "nesta altura é que me lembro daquele ordinário do meu capitão: saia lá esse cabrão de bife com as putas das batatas fritas!"

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Carne Stroganov, uma história complicada

Quanto a padronização, sensata, sou menos exigente com a cozinha urbana, aristocrático-burguesa, do que com a cozinha tradicional, um património muito mais identificativo da história culinária de todo um povo ou, pelo menos, grandes regiões. 

Pouco me interessa que haja milhentas receitas de bacalhau com natas, mais ou menos inspiradas (muitas vezes muito mal) no bacalhau à Conde da Guarda e em mestre João Ribeiro. Não é prato tradicional, façam como quiserem, desde que não invocando a receita do mestre. Diferente será fazer bacalhau à Gomes de Sá com natas e usar à mesma o nome do célebre homem de secos e molhados.

Também acho perfeitamente legítimo que, na minha casa de miúdo, contra a generalidade dos usos, almôndegas sempre tenham sido feitas (e de forma complicada) de fricassé, ou até, melhor dito, numa variante de molho poulette. Que de geração em geração familiar se tivesse inventado, melhorado, adaptado pratos de certo requinte, como peixe assado com nozes e azeitonas ou galinha de molho de perdiz ou um arroz que só muito mais tarde começou a ser moda, chamado de árabe. Não está em causa nenhuma violação dos cânones da cozinha tradicional, e mesmo estes há que saber tratá-los com bom senso e com a evolução de ingredientes, gostos e técnicas hoje ao dispor.

Vem este prolegómeno a propósito do jantar de anteontem e de alguma conversa à volta dele. Mensalmente, tenho um ótimo cozinheiro que, como agora se faz muito, traz as coisas prontas, tudo nos trinques. Simplesmente, não é de nenhuma empresa, é o meu alter ego gastronómico que frequentemente refiro aqui. Anteontem trouxe um stroganov, porque leu a receita original e a sua história, ao que parece, não sei em que tradução do livro de Elena Molokhovets, de 1861 (“Oferta para jovens donas de casa”). Talvez com exceção do “boeuf bourguignon” e da “paella”, mas que não são de invenção erudita, não deve haver prato de “cozinha de restaurante” com tal variedade inventada ao longo dos anos e por todo o mundo.

Comece-se pelo nome e sua razão de ser. Stroganov ou strogonov ou stroganoff ou strogonoff, este último talvez o nome mais usado entre nós? Se formos pela origem geralmente invocada, tendo tudo a ver com variadas famílias Stroganov, desde aristocratas a grandes burgueses, assim se grafaria, não strogonov ou strogonoff. Mas porquê Stroganoff? Porque em russo o “v” final se pronuncia “f”. No entanto, por exemplo, lê-se Popof ou Pavlof, mas translitera-se sempre do russo como Popov ou Pavlov. Agora para letra em duplicado, stroganoff, é que não encontro justificação.

Quem o inventou? Teria sido o cozinheiro francês de um tal Conde Pavel Alexandrovich Stroganov (1774-1817) General Adjunto do Czar Alexander I, inspirando-se no clássico “fricassé de boeuf” francês? Ou, mais tarde, de um diplomata, outro conde Pavel Stroganov? Ou foi inventado, segundo outra lenda, num concurso culinário de chefes de cozinha de aristocratas russos, em 1890, o que é desmentido pela publicação anterior no referido livro? Até há a história anedótica de o prato ter sido criado porque um tal desses Stroganov tinha perdido todos os dentes e precisava de comer carne muito fatiada e tenra, com muito molho a fazer “ir para baixo”. 

Ou tem história muito mais antiga, como prato popular russo assimilado da cozinha militar, no séc. XVI, quando se levava como ração, em barricas, carne cortada em pequenos pedaços, para se poder descongelar facilmente, salgada e curtida em aguardente, acrescentando-se antes de comer um pouco de gordura e nata azeda? Ou ainda, também com velhas origens populares, coisa muito simples que não tem nada a ver com lendas principescas: em russo, o verbo “strogat” significa cortar em pedaços pequenos.

Certo é que a dispersão pelo mundo dos emigrados russos depois da revolução de 1917 tornou o prato um dos mais internacionalizados da cozinha do séc. XX. Diz-se que esta popularização começou por Hong Kong, onde se estabeleceu uma grande colónia de russos brancos. Daí o hábito hoje muito vulgar de acompanhar a carne com arroz, em vez das batatas da tradição russa.

O livro de Elena Molokhovets foi traduzido (com introdução) por Joyce Toomre, em 1992 (Indiana University Press, ISBN 0-253-36026-3). Lá vem, com o número 635, a “carne Stroganov com mostarda”, “Govjadina po-stroganovski, s gorchitseju”. A receita é muito simples. 
1 kg de carne tenra, 10-15 grãos de Jamaica, sal, pimenta, 125 g de manteiga, 2 colheres de farinha, 4 dl de caldo de carne, 2 colheres de nata azeda, 1 colher de chá de mostarda. Duas horas antes de servir, cortar a carne em cubos pequenos e temperar com sal e Jamaica. À última hora, misturar 2 colheres de sopa de manteiga com a farinha, fritar levemente e diluir com caldo e mostarda, temperando com pimenta. Deixar ferver, a ligar bem e juntar no fim a nata. Fritar a carne no resto da manteiga, juntá-la ao molho, levar à fervura e servir.
Nem cebola, nem tomate, nem cogumelos, nem conhaque. Repare-se no pormenor da Jamaica, hoje pouco usada nos stroganoves que comemos por toda a parte. Também no facto de a carne ser cortada em cubos e a quantidade de nata ser pequena.

Segundo Joyce Toomre, esta receita ficou na memória desse tempo, mas durou pouco, tendo dado origem, rapidamente, a variantes, das quais a mais importante – uso de cebola, tomate e cogumelos – parece datar de 1912, num livro de receitas de Aleksandrova-Ignatieva (não conheço tradução).

O que é que podemos usar como mínima definição comum de qualquer stroganov? Primeiro, essencial, a carne, muito tenra (“filet mignon”) é cortada em tiras finas, salteada a lume muito forte  e reservada, com o suco, para junção ao molho, só antes de servir. No entanto, a receita dita original, de 1861, é com carne em cubos pequenos. E hoje, em muita parte, a carne é guisada prolongadamente no refogado e no molho. Nos blogues brasileiros, como veremos adiante ser provavelmente o país mais imaginativo em relação a stroganov, até há muitas receitas que acabam no forno, mesmo a gratinar queijo ralado.

Segundo, obrigatoriamente nata azeda, coisa típica da cozinha russa. De forma alguma a nata vulgar que por cá se usa. Não é questão de variante legítima, é que o sabor da nata vulgar altera substancialmente o prato. O azedo de fermentação ácida, natural, da nata pode ser facilmente imitado – é o que faz cá uma minha amiga russa – misturando em partes iguais nata e iogurte simples, mais, a gosto, um pouco de sumo de limão ou vinagre.

Terceiro, o acompanhamento. Batata frita em palitos grossos, batata palha, legumes, massas, até milho verde (!), são coisas que se leem nas milhentas páginas de culinária. Vulgar, hoje, é o arroz. Foi assim que eu próprio, há muitos anos, comecei a acompanhar este prato muito frequente na minha casa, porque fazia as delícias dos meus filhos crianças (só rivalizando com maionese de atum, com croquetes com salada russa e com esparguete à carbonara). Mais tradicionalmente à russa, e como faço hoje, batata cozida. Normalmente batata muito bem cozida, esmagada grosseiramente, a fazer de cama à carne com molho. Outras vezes, puré de batata. Outra guarnição tradicional que também uso complementarmente, depois de ter comido o prato em Moscovo, só coisa em pequena quantidade, é pepino de conserva, aliás sempre presente na mesa russa, desde o pequeno almoço até à ceia.

Tudo o resto, lido e provado, não consigo definir como genuíno. Em geral, começa por se refogar cebola. No entanto, o refogado só aparece meio século depois da receita dita original. Hoje também é e quase regra usar um pouco de tomate, introduzido nessa receita de 1912, e também cogumelos. Acompanhamento com batata palha. Nada disto havia na origem. Em contrapartida, Elena Molokhovets inclui mostarda, que hoje nem sempre se usa. Outro tempero vulgar, que não uso no stroganov, é a paprika não picante, ou mesmo o colorau.

O resto é para quem gosta, embora aconselhe dizer que é “stroganov à sua maneira”. Procurem na net, coisas inimagináveis, em geral brasileiras. Carne picada, ketchup, molho Worcestershire ("molho inglês"), vodka, azeite, vinho branco, uisque, vermute, açúcar (!), salsa picada e até – pasme-se – molho de soja! Curiosamente, todos se reclamam da receita original. Também se tem variado no ingrediente principal, o que é uma variação legítima – como a carne à Brás bem típica da Marinha do meu tempo – desde que a variação seja claramente referida: peru, frango, camarão, borrego (no norte de África), até diversas salsichas (estas principalmente na Escandinávia).

Os clássicos não ajudam. A receita do Larousse envolve marinada prévia (e é aqui que entra a cebola), a juntar depois ao molho. Não leva mostarda, contra o inicialmente indicado na receita de 1861, nem tomate, à 1912. No entanto, refere que “uma versão mais russa” usa rebola refogada e mostarda. Escoffier omite o stroganov.

Já agora, o “meu” stroganov, receita da tal minha amiga russa. Costuma ficar muito bom. Mas de forma alguma lhe fica atrás o que comi anteontem, do meu cozinheiro que vem a casa. Estava magnífico.

NOTA – As corruptelas de designações culinárias por restaurantes e cozinheiros pouco instruídos dão coisas engraçadas. Há anos, era vulgar comer-se "carne à morangó". Claro que era à Marengo. E as disparatadas variações, que ainda se veem, do "al ajillo", nomeadamente um tal Guilho que não sei quem foi ou, se é lugar, onde é que fica?...

E A DESPROPÓSITO – Lido hoje num blogue culinário de tias: "o queijo francês mais famoso é o Gruyère, aquele cheio de buracos". E noutro: "o gulache é o prato típico mais conhecido da Polónia, que os meus amigos polacos em Paris faziam muitas vezes". E não se pode exterminá-las?, perguntaria Karl Valentin.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Fast food (but not so fast…)

Vou apanhar nas orelhas. “Então este tipo que se quer gastrónomo vai escrever hoje sobre prego, hambúrguer e cachorro?” Porque não? Vejam quantos “refúgios de crise” de bons chefes, tascas e petiscos de alto nível - e por vezes alto preço - nos servem hoje o "especialíssimo hambúrguer do chefe". Já tenho comido e, para coisa de chefe, sabe-me a pouco. A qualidade vê-se em “oh, simple things!”
Isto faz-me lembrar velhos tempos de pelintra em que economizava todo o ano, prescindindo do restaurante banal, para ir uma vez ao Tavares e outra ao Aviz. A minha regra é que só valia a pena esportular nota grossa para comer o que eu não conseguiria fazer em casa. Estas novas tascas supimbas, que de tasca não têm o preço, fazem-me recordar essa regra. Aqui vão versões minhas, já nada novas, que deliciam netos.
Prego. Fatias de lombo com cerca de 8 mm de espessura, ao tamanho de um pão redondo, cheio, de boa qualidade, tipo “bola da aldeia” ou, a gosto (não meu), pães com sementes e/ou ervas. Para quatro miúdos ou graúdos, fundir numa frigideira 3 c. sopa de manteiga e alourar, muito antes de queimar, 5-6 dentes de alho fatiados fino, com uma folha de louro. Fritar os bifes, a ¾ de passados (pessoalmente, não gosto nada de comer, quase a roer, pregos mal passados; muito menos a empapar de sangue o pão), cerca de um minuto de cada lado e temperar, no fim, com sal e pimenta preta. Reservar os bifes, bem escorridos. Aquecer mais um pouco a gordura, a condensar o suco. Retirar o louro, escorrer cuidadosamente a gordura sem levar o suco ou o alho, juntar manteiga fresca, reaquecer a lume baixo e juntar 1 c. sobremesa de mostarda inglesa - basta irem ao Harrod’s - (na falta, de Dijon), 1 c. chá de massa de malagueta e tomilho. Mexer sempre, até fazer pasta de barrar. Aquecer muito ligeiramente o pão, no micro-ondas (15-20 segundos a 150-200 W), cortar e barrar do lado de baixo com esse molho e do outro com manteiga fresca. No meio o prego aquecido na mesma frigideira, quase a seco depois de usado o molho, coberto com algumas lâminas finas de “cornichons”. Ao mesmo tempo, tudo comido à mão, umas dentadas em pontas de espargos verdes, cozidos ao dente. Claro, uma Boémia ou uma "weissbier".
Hambúrguer. Para 4 pessoas, 4 pães do tipo dos anteriores e 400 g de carne picada. A pasta dos hambúrgueres leva alho picado, ovo, tosta ralada, salsa picada, sal, pimenta preta, pimenta da Jamaica, mostarda, farinha se necessário para dar consistência. Tudo moderadamente, para que no fim saiba principalmente é a carne. Quando me calha, junto um pouco de presunto ou bacon, moídos, ou mesmo um rodela de linguiça da minha terra. Tudo bem batido, a murro, para ficar macio. Antes, fritava e usava a gordura para o que vem a seguir, hoje a dieta manda-me grelhar na chapa. Na frigideira siliconada, que me permite mexer bem as coisas, alouro cebola às meias-luas finas, em lume forte, juntando queijo ralado grosso, molho inglês e noz moscada, a fazer mistura pastosa. No pão cortado, o hambúrger sobre uma fatia de alface e bem barrado, de um lado e outro, com o molho de cebola. Opcionalmente, umas lâminas de tomate seco. Batatas “fritas” a seco, no forno. Vou novamente pela cerveja do mesmo tipo.
Cachorro. O pão é diferente: comprido, de tipo próprio para cachorro ou do que se usa para “bruschetta”. Salsichas alemãs, tipo “bratwurst” ou “weisswurst” bávara, ou a “cervelas” que os meus filhos tanto comiam na Suíça, nas excursões da escola. A salsicha é simplesmente assada na chapa, um pouco picada com um palito para não rebentar. O resto é a guarnição: cebola picada grosso e semi-refogada, glaceada com vinagre e açúcar (de preferência mascavado) quase a caramelizar, mostarda, sal, pimenta preta, zimbro pisado ou, na falta, pimenta da Jamaica, estragão (moderadamente, que tem sabor muito forte) ou, em alternativa, cebolinho picado. Os netos exigem sempre, a mais, um pouco de ketchup. Gostos! Quanto a cerveja, aligeiro para uma Pilsen ou quejanda.
NOTA 1 - Falei de manteiga mas, por razões de saúde, só a uso excecionalmente para fritura. Até agora, era sempre Becel dietética de cozinha. Apareceu agora uma variante, o óleo cremoso a 70%. Experimentei e gostei. 

NOTA 2 - Pode parecer que hoje fiz descrições exaustivas, desnecessárias. É que há dias, estando um amigo meu a ver-me cozinhar, achou estranho eu abrir a meio um pimentão e, antes de picar, retirar tudo o que eram partes brancas. Ele não sabia que se fazia assim, usava tudo a eito. Não estranhem eu às vezes ter de me lembrar que há quem não saiba picar bem uma cebola ou ter de deixar em água as batatas descascadas ou juntar vinagre à água de escalfar o ovo, etc.. E, no entanto, são pessoas com gosto de bem comer, que merecem ser acarinhadas gastronomicamente.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Carnes (III) - para a alcatra terceirense

Continuemos com as carnes e com memórias de açoriano. É curioso que não haja uma norma para o mais emblemático prato de carne açoriano - quase que diria português -, a alcatra. Muitos açorianos que conheço pedem no talho “carne de assar”. Outros trocam a nomenclatura continental e a açoriana. Mesmo o mais esforçado recoletor de receitas tradicionais açorianas, Augusto Gomes, indica apenas e simplesmente, nas suas duas dezenas de receitas, “carne para alcatra”.
Afinal, isto é capaz de ser bem compreensível. A alcatra terceirense, com tudo o que de ancestral, mítico, religioso, lhe está ligado, coisas do Divine Sinhor Esprite Sante, não conhece classes, no seu âmbito de culto e festa, mas não as pode ignorar, na prática económica. Todo o terceirense a faz, mas obviamente que de acordo com as suas posses. 
Há uma alcatra pobre, a que se serve fraternalmente no império das freguesias menos abonadas, a que se cozinhava também em dias especiais de casamento ou batizado ou a fechar, em família e amigos, a festa estival da tourada à corda. A carne era e ainda é principalmente chambão, com a vantagem de já levar por natureza o indispensável osso com tutano. O vinho era e é de cheiro (morangueiro, como se diz no continente, de uva Isabel, americana), a gordura era e ainda é em boa parte a banha. É interessante comer esta alcatra como experiência etnológica mas não é recomendável gastronomicamente. Lamentavelmente, é esta a que, etiquetada de “verdadeira”, se faz em alguns restaurantes muito recomendados turisticamente.
A alcatra de classe média ou que depois se vulgarizou nos restaurantes usa carnes melhores, embora não de topo. Por exemplo, carnes de acém, redondo e comprido. Como não têm a mesma textura um pouco gelatinosa caraterística da alcatra e o desfazer da carne em fios, junta-se-lhe cachaço. E também um osso. A gordura já é só manteiga ou mistura de manteiga e banha. O vinho tanto pode ser de cheiro como maduro branco. Com estas variações, não admira que qualquer local aconselhe que a “melhor” alcatra é a do restaurante X ou Y. Da mesma forma, a melhor é a do império A ou B, conforme a habilidade da cozinheira-mor.
Nas velhas famílias, mantiveram-se padrões mais exigentes. A carne é obrigatoriamente rabadilha. Não se enganem! Rabadilha diz-se nos Açores; cá é a folha de alcatra! Mais o osso, claro e, como se fazia na minha casa, um pouco de cachaço ou de aba grossa para gelatinar o molho, mas que não se serve. Gordura, exclusivamente manteiga. Vinho, só branco, mais especificamente, quando se podia nos meus tempos de miúdo, em que se recebia especialmente para a alcatra, Chico Maria verdelho de mesa, o “must”, muito tempo depois desaparecido, até ressuscitado pela Casa Brum e à venda nas lojas açorianas de Lisboa, hoje com as marcas “Donatário” e “Da Resistência”.
Três alcatras. Qual a “verdadeira”? O Divino que decida!...

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Carnes (II) - que confusão!




Com esta variedade de usos possíveis e de escolhas, há que ser prático e ter bom critério. Para mim, é o compromisso qualidade/preço. Como refiro na tabela, usar alcatra ou rabadilha para um cozido é coisa que me sinto no direito de exigir num restaurante de topo mas que é requinte pouco razoável na cozinha doméstica.
Paradoxalmente, talvez seja mais difícil escolher bem uma carne para uso “baixo” (cozer ou fazer sopa) do que as escolhas óbvias para assar ou para bife, rosbife ou turnedó. Não vou muito pelas carnes de 3ª, mas qualquer das de 2ª vai muito bem. Chamo a atenção para um carne muito especial, que dá a qualquer cozinhado um gelatinado muito saboroso e a dar uma excelente consistência a molhos, o cachaço. Também não sou esquisito em relação a carne picada. É o que o talho me oferece, em geral carne de 2ª, desde que seja picada na altura.
Com isto, para não parecer que esta listagem de carnes é tão complicada que afasta o leitor de começar a pedir por peça no talho, aqui vão algumas sugestões muito básicas, a completar por cada um com a sua experiência. 1. Para assar, vazia, alcatra. 2. Para rosbife, vazia. 3. Para estufar em peça, à açoriana (“assada na panela”), pojadouro ou ganso redondo. 4. Para guisar ou estufar em pedaços, pojadouro ou acém. 5. Para cozer, abas, maçã do peito. 6. Para caldo, cachaço e aba delgada, com mão de vaca. 7. Para bife, lombo, alcatra, vazia, ou, para bifes tradicionais não muito grossos, a fritar mais tempo com molho, bem passados, pojadouro.
As coisas ainda podem ficar mais complicadas quando há que escolher partes específicas de cada peça. Por exemplo, o lombo, conforme a espessura, pode dar bifes, turnedós, “filet mignon”. A alcatra tem três partes, o coração, a folha e a ponta, cada uma delas com aplicações próprias. Mas já é querer complicar, num texto básico como este. Fica-se é com muita consideração pelo talhante, como o meu habitual, que percebe bem essas encomendas "subtis" e as comenta com gosto, interessando-se pelo que vou fazer com elas.
A terminar, coisa a que me referi antes, a confusão de terminologias. A que me interessa mais é a diferença entre o continente e os Açores, mais complicada ainda porque, com o comércio de carnes de um lado para o outro, já se vende lá a mesma carne com nomes diferentes. Por exemplo, nos Açores, a agulha é a ponta do lombo. Acém redondo é costeletas. A parte mais grossa do lombo, o "filé", é lá o lagarto, do bife regional. Rabadilha continental é chã rolada açoriana e pojadouro é chã de fora. Mais curioso é o nome da melhor para carne para o bem conhecido assado tradicional da Terceira. Como o nome diz, provavelmente começou por ser feito com uma carne chamada alcatra. Hoje, nos Açores, é a mesma carne mas agora chamada de rabadilha, que, cá, não é a rabadilha, é exatamente a folha de alcatra. Que confusão!
Mais ainda com a nomenclatura brasileira, agora que nos vendem cá tanta picanha e outras coisas de nomes antes desconhecidos. Picanha é o cheio da alcatra, maminha é a ponta de alcatra, lagarto é a parte traseira do pojadouro, o nosso lombo é no lado de lá filé e contra-filé, cachaço é lá pescoço, aba é fraldinha, agulha brasileira é a nossa aba da costela. E fiquemos pelo nosso corte, porque se formos tentar equivalências ao corte anglo-americano e querer saber o que é o célebre T-bone, é mesmo complicado.
(Figura adaptada do Larousse gastronomique. Tabela de síntese de informações de vários talhos.)

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Carnes (I) - como encomendar

Motivo de repreensão da minha dietista, sou mais de carnes do que de peixes. Isto surpreende os meus amigos, “mas tu, das ilhas…”. É certo que há excelente peixe nos Açores, mas o mar é mau, os portos são escassos. O peixe tem bom lugar na gastronomia ilhoa, mas bem a par de carne da vaca omnipresente, do porco, das aves. Fiz-me de forma a que, não sei bem porquê, olho sempre com muito maior atenção para a secção de carne de uma ementa de restaurante do que para a de peixe (descontando marisco, que é outra minha perdição).
Tenho ideia de que isto correspondia, em criança, à exigência de qualidade e conhecimento técnico das minhas figuras tutelares de cozinha. Peixe encomendava-se para cozer, para fritar ou para assar, o que houvesse ou o que o vendilhão apresentava à nossa porta. Carne era outra coisa. Nunca ouvi encomendar “carne para bife” ou “carne para assar”, era sempre pelo nome da peça de talho.
E a quem se encomendava? À “mulher das compras”, figura típica da minha cidade. Tinham freguesas acostumadas, faziam a ronda ao fim da tarde, a saber as compras logo de amanhecer no talho, no mercado do peixe, na praça, coisas bem separadas na minha terra. Já não faço ideia de como eram pagas: à comissão? ao mês?
A nossa “mulher das compras” era impagável, a Jorgina. Tenho dela a ideia vaga de mulher já madura mas correspondendo à descrição clássica da beleza de varina, toda feita de altura, elegância, corpo sólido, porte, cara nobre. Ou estou a desvariar e a pensar sei lá em quem? Com ar muito sério, a Jorgina tomava nota das encomendas da minha mãe num caderninho, com ponta de lápis humedecida à língua. “Ó-raites”, confirmava, em linguagem de calafona (imaginem o que isso queria dizer). Mas era analfabeta! Muito gostava eu de ver agora um desses seus cadernos.
Outra caraterística da Jorgina era a sua convivência carinhosa com os seus amigos do couro cabeludo. Enquanto tomava notas, dava-lhes umas taponas, “eles hoje estão tão inquietos!”
Falei aí atrás na praça. Era o mercado, só de legumes, hortaliças e frutas. Só muito mais tarde é que passou a integrar talhos e peixarias. Se bem me lembro, a praça só abria ao sábado e ao domingo. Nos outros dias, ia-se às barracas. Eram a versão local dos “lugares” continentais, também lá muitas vezes partilhando espaço ao lado com taberna e venda de carvão - e chão de pedra encardido com escarros e vómitos de bêbedo. A mais famosa, na rua principal, era a barraca do Lopes, mais pomposamente a “Casa Verde”. Era famosa, entre outras coisas, por uma coisa típica dessas barracas, os produtos de porco, torresmos, molho de fígado, pé de torresmo, conservados em grandes boiões de barro vidrado (da Vila) na abundante banha de cozinhar. Julgam que o confitado é uma invenção de cozinha modernaça?
Tudo isto era para dizer que me habituei, com a minha mãe, a minha avó e a Jorgina, a saber encomendar especificamente peças de carne, às vezes para espanto do talhante do Pingo Doce aqui à riba. Mas vejo que isto já vai longo para escrita ainda mais longa. Fica para a próxima a continuação. E desculpem que esta gastronomia tenha saído hoje um pouco estranha. Ou talvez não!...

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Sela de borrego, segundo Santi Santamaria

Volto a Santí Santamaria, em homenagem. Nunca fui a El Raco de Can de Fabres mas SS tinha por bom hábito divulgar uma ou outra das suas receitas emblemáticas. Uma das que já reproduzi é a célebre sela de borrego. Permitam-me uma nota pessoal, a justificar a minha ligação a tal prato. Estava eu nos meus vintes economicamente fraquinhos, assentei como regra coisa pouco vulgar. Ia raramente a restaurantes banais e reservava o dinheiro para uma ida anual ao Tavares e ao Aviz. Depois, alarguei ao Conventual e ao Gambrinus. Era o que valia a pena, entre fins de 60s e princípios de 70s. Isto teve um efeito colateral. Prescindindo de restaurantes banais, comecei a cozinhar eu, em casa, a fazer festas de amigos ou simples jantares de casal, a apetecer mais. Daí o meu critério de muitos anos, só gosto de um restaurante de onde saia a pensar que eu não faria melhor. Ainda hoje vale.
Ora um dos grandes pratos do Aviz era a sua sela de borrego. Não tenho a receita, há muitos anos que não como, mas tenho ideia de uma sela bem esfregada com um pouco de alho e sal e ervas, creio que principalmente tomilho e alecrim. Assada no ponto, a carne destacada dos ossos antes de servir, no ponto, suculenta. Guarnição, já não me lembro. Sei que era minha predileção.
Mas aqui vai, em versão livre em português, a receita de SS, uma excelsa combinação da carne e legumes. Na receita que recolhi, falta a indicação da quantidade de alguns ingredientes (SS também não era tão mau empresário ingénuo que fornecesse a receita exata). Acertei-a por mim e para meu gosto, quando a faço, mas seria desrespeito indicá-la aqui. Fica ao critério daqueles meus leitores que o poderão saber fazer, exceções na blogosfera das receitas de revistas de cabeleireiro.
1 sela de borrego ou cordeiro, desossada, mistura de cogumelos selvagens (quanto?), 3 cenouras, 1 bolbo de funcho, 6 couves de Bruxelas, 1 curgete, 3 alhos franceses pequenos, couve flor (quanto?), 2 chalotas, cebolinho, manteiga q. b., azeite q. b., sal, pimenta da Jamaica, salsa, coentro.
Esfregar a sela com sal e pimenta e estalar bem, numa assadeira metálica, num pouco de azeite. Passar para o forno, com manteiga. No fim, pincelar com bastantes coentros picados misturados com azeite. Cortar em troços, ao comprido da sela. Colher, misturando, o molho e o suco que escorre ao cortar a carne.
Entretanto, escaldar os legumes, exceto a chalota, em água com sal, a ferver, até ao dente, escorrer e reservar. Cortar em pedaços relativamente grandes e saltear em azeite, a ficarem crocantes. Cortar os cogumelos em pedaços grandes, saltear muito bem em manteiga, até bem dourados, juntando a meio a chalota picada e, antes de servir, juntar o cebolinho e a salsa.
Servir uma coroa de cogumelos, com os legumes ao centro, ao lado das fatias de carne regadas com molho.

Nota - Quem por acaso tiver lido receitas minhas verá que vou muito por Santi. Bons produtos, captação das essências da cozinha tradicional pesada para a transformar em cozinha leve, elegante, moderna. Técnicas de restaurante profissional que não podem ser reproduzidas em casa, ótimo para ir comer ao Bulli, mas não me interessam no dia a dia. Receita é para mim coisa que eu também consiga fazer, com desvanecimento dos meus amigos visitantes do ninho da águia e gastrónomos apreciadores e exigentes. Por isto, muitas ficam impublicáveis, é o gozo da partilha exclusiva com o "inner circle".

(Editado em 20.2.2011, por erros na transcrição da receita, verificáveis num vídeo de SS que só agora encontrei)

domingo, 30 de janeiro de 2011

Pastéis de massa tenra (II)

Afinal, mudei de ideias, depois de evocações mútuas de infância e do gosto de tentarmos recordar e refazer memórias antigas que já não temos quem no-las transmita com inteira segurança. Como disse, temos ideia de que, em ambas as casas, croquetes e pastéis de massa tenra se faziam com os restos de carne assada, quando não apetecia comê-la outra vez da mesma forma ou quando o molho já se tinha ido.
Anote-se que “carne assada”, em ambas as famílias, tão distantes geograficamente, era de facto carne estufada, na panela. Da minha tradição, publiquei a receita em “O gosto de bem comer”, pág. 278. Quanto ao seu derivado recheio de pastéis, a ideia que temos é de que era praticamente só a carne, moída, a ficar granulada, ligada com um pouco de molho a dar sabor, e uma pequena liga de farinha e leite. "Se non è vero, è ben trovato".
À falta de informação segura, resolvemos fazer o mais simples, de que não tínhamos dúvidas, e com que também concordou um dos meus irmãos, aquele que mais longamente acompanhou a culinária familiar. A peça de vitela (alcatra) foi estufada de véspera, como descrevi no livro: a carne bem estalada em margarina dietética (devia ser óleo, mas a minha dietista é minha leitora…), acrescentada de bastante cebola aos gomos e da vinha-de-alhos em que ficou. Esta não ficou, foi decidida à última da hora, por isto levou os temperos para o estufado: alho, vinho branco, um pouco de vinagre, louro, salsa, tomilho, sal, pimenta preta, pimenta da Jamaica.
O recheio (em dose para 4 pessoas) foi simplesmente esta carne, 500 g, moída no velho moinho de carne (não na misturadora de lâminas!), embebida em 2 c. sopa do molho do assado, muito apurado, polvilhada com 2 c. sopa de farinha e bem mexida, incorporando-se depois 6 cl de leite. Parece que, na minha casa de família, quando os restos de carne já não tinham molho, se começava por saltear a carne moída num pouco de refogado de cebola picada muito fino (pouca quantidade, só a dar sabor e a engordurar um pouco). 
Claro que não se justifica todo este trabalho para fazer simples pastéis de massa tenra ou croquetes. Foi só uma brincadeira, de rememoração. Para o dia-a-dia, sugiro que experimentem o recheio descrito no “post” anterior. Como acabei por não experimentar, digam depois de vossa opinião.

Confesso que violei parcialmente a minha dieta. Já que estávamos em experiência, metade dos pastéis foram ao forno, como escrevi na entrada anterior, metade foram fritos, como manda a tradição. Os assados ficaram muito bons e recomendam-se dieteticamente, mas os fritos sempre fazem diferença!...

Nota - Dose para quatro pessoas para só duas comerem? É que já ficou recheio para outra experiência, os croquetes com a mesma lógica, de carne previamente cozinhada. Claro que o recheio vai levar pequenos ajustamentos.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Pastéis de massa tenra

Nas nossas conversas conjugais e gastronómicas de jantar de fim de semana, em que me esmero, chegamos sempre à conclusão de que temos experiências muito comuns, afinal da velha cultura gastronómica portuguesa, na variante burguesa, citadina, mesmo que de um lado e outro da linha equatorial. Vem isto a propósito de coisa muitas vezes lembrada, uma banalidade esquecida, mas que para ambos é uma grande memória das avós, os pastéis de massa tenra. Vem isto de hoje ter comido um, horroroso. Domingo vou-me desforrar. Amanhã não, porque já há outro programa, que logo verão.
A minha avó materna pontificava na cozinha, enquanto a minha mãe professava (salvo seja, quero dizer, trabalhava como professora). Por isto, a minha herança culinária é Fagundes, praiense, terceirense, mas com assimilação de muitas coisas boas, de raiz micaelense, da minha avó paterna, lado Viveiros. Entre elas, o polvo e o molho de fígado, famosos nas Capelas e redondezas, incluindo S. Vicente do retiro filosófico do meu querido amigo Jorge. E também os pastéis de massa tenra, que a tradição de família diz se deverem a uma esquecida criada Piedade.
Se a quiserem fazer, e não é nada difícil, aqui vai a minha receita familiar, afinal a geral mas com pequenos truques. 250 g de farinha, 4 c. sopa cheias (50 g) de banha, 1 dl de água, sal, um pouco de açúcar, a gosto. Se se quiser aligeirar, usar banha e manteiga, 2:1. Desde logo, na receita, como toque de diferença de receita familiar, a banha em exclusivo e o açúcar. Faz-se como uma massa quebrada, mas deve ser mais amassada, com o ponto importante de, no fim da mistura, se juntar parte da água muito fria. Depois, como em regra, embrulhar num pano e deixar repousar uma hora, no frigorífico. Também se trabalha a meio caminho como massa folhada, estendendo e dobrando, duas vezes (claro que sem juntar gordura).
O recheio, na minha casa e na da morena, era um moido de restos de carne assada ou guisada, refogada. Se não, com carne crua, compensar em temperos. Aqui vai uma sugestão, de compromisso.
500 g de carne de segunda (aba, acém, cachaço, chambão), 1/2 cebola, 1 dente de alho, 2 c. sopa de manteiga ou de margarina dietética, 2 c. sopa de farinha, 5 cl de vinho branco,  5 cl de leite, sal, pimenta preta moída a fresco, pimenta da Jamaica bem esmagada, tomilho a gosto, 1 raminho de salsa, atado.
Refogar a cebola e o alho, muito picados, com o louro. Juntar a carne moída em moinho de furos (!) e voltear bem, até bem alourada. Polvilhar com a farinha, até bem incorporada e alourada. Temperar e misturar o líquido, ferver a lume baixo deixando espessar muito grosso, mexendo sempre muito bem para não pegar ao fundo. Juntar goles de água, aos poucos, se necessário. Retirar o louro e a salsa. Estender muito bem a massa, cortar círculos grandes, rechear, fechar os pastéis, pincelar com gema de ovo e levar ao forno (pré-aquecido!), a 190º, 20-25 minutos. Deixar reduzir à temperatura de servir, no forno apagado, com a porta um pouco entreaberta.
O meu alter ego culinário, D, recomenda-me coisa que nunca fiz, mas que talvez fique muito bem. Reserva um pouco da carne, crua, para moer fino em misturadora de lâmina e acrescenta ao refogado de carne e à farinha, antes de prosseguir com a adição de líquido. Diz que a mistura de ambas as carnes resulta cremosa/granulada sem ficar borracha como se come por aí.

(Editado, 30.1.2011)