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segunda-feira, 2 de abril de 2012

Truques e tricas - Foie gras

Morto por ter cão e morto por não o ter. A pedido de muitos leitores, publiquei aqui algumas notas simples de coisas técnicas que me pareceram fora do conhecimento geral da gente comum. Muitos me agradeceram. Mas também recebi comentários sobranceiros de quem achava que eu estava a escrever banalidades.
Ora, em coisas de técnica, há léguas de caminho, do mais elementar ao mais desafiante. Aos meus detratores da minha simplicidade de dicas, vou subir a parada: sabem trabalhar bem o foie gras? Vou restringir a questão. Um verdadeiro foie gras de ganso, tradicional, trufado ou não, trabalha-se bem, não vou escrever sobre isto. Mas agora vende-se por aí, nos hiper, a metade do preço, um bom foie gras de pato, inteiro ou em bloco. É traiçoeiro para qualquer cozinheiro que se preze. Na primeira vez que o fiz para amigos, foi uma desgraça. Conto a seguir.
Em bloco? Começa aí toda a diferença. Vende-se uma variante em peça, um lobo do fígado, mais consistente e mais trabalhável. Um pouco mais vulgar e mais barato é o foie gras de pato em bloco. Parece-me uma preparação comprimida, provavelmente usando muita gordura de pato para homogeneizar a mistura. E aqui é que está o problema.
A maioria das boas confeções de foie gras usa-o em escalopes de cerca de 1-1,5 cm (para o preparar a quente, quanto mais grosso melhor). Comece-se pelo foie gras inteiro (“foie gras entier”), o próprio fígado, inteiro ou separado nos seus dois lobos. Pode ser cru, semi-cozido ou cozido, o que já implica alguma diferença de tratamento. O foie gras sem outra especificação é em geral uma prensagem de lobos de fígado. 
Mais difíceis de trabalhar, para realçar o que, de qualquer forma, têm de muito bom, são as preparações industriais, mais vulgarmente de pato, as tais que hoje se vendem a preço razoável. Não vou referir-me a coisas boas mas menores, como terrinas, pastas, mousses, “parfaits”. O que vale bem a pena são os blocos de foie gras, comprimidos com gordura (comprados frios, vê-se bem a gordura fria e sólida, amarela, a envolver). Este é que é o problema.
O que vejo à venda, de pato, é “micuit”. Há formas excelentes de o comer como tal, frio, com uma guarnição fria imaginativa, ou em sandes ou em salada. Por exemplo: uma tosta embebida em caldo de galinha coberta com fatias de foie gras e estas por sua vez cobertas com uma variedade de coisas: compota de laranja amarga e redução de vinho do Porto; estufado simples de brunesa milimétrica de espargos brancos ou de caiota, com um toque de uma especiaria exótica; mistura de carne de caranguejo com uma base à americana; abacate, papaia ou manga moídos com um vinho generoso e um toque exótico de gengibre e canela; cebola em fatias finas, glaciada; um agridoce de tomate-cereja e ananás; etc. A única recomendação técnica é sobre a remoção da gordura envolvente. Nada mais simples: retirá-la com um pano bem aquecido.
Mais difícil é cozinhar este foie gras bloco em escalopes quentes. Um verdadeiro foie gras trabalha-se muito bem, braseando-o em frigideira ligeiramente untada ou mesmo seca, porque basta a gordura que o foie gras vai destilando. Pode-se brasear só de um lado ou de ambos. Gosto mais da primeira forma, porque dá contraste de textura. Se tentarem tratar assim um bloco de foie gras de pato, muito mais rico em gordura misturada, as fatias estalam, desfazem-se em gordura, desmancham-se. Dizem os especialistas que há uma ótima técnica que, obviamente, nunca experimentei: congelar o bloco em azoto líquido (coisa banal do meu tempo de laboratório) e passá-lo logo para a frigideira seca.
Por mim, só encontrei uma solução, “queimá-las com maçarico”. Sai toda a gordura, mantendo-se a forma e a textura dos escalopes de foie gras. Sobre papel de alumínio, tem uma vantagem: escorre a gordura para o alumínio e deixa-se solidificar no frigorífico, para excelentes usos posteriores, conforme o vosso bom gosto.

domingo, 18 de setembro de 2011

Terrina ou patê?

Há um erro vulgar de terminologia, velha confusão: terrina e paté. Nunca falei sobre isto por me parecer minudência, mas hoje a confusão complicou-se mais num escrito de Hugo Campos, na Pública. Ou, erro meu, não o percebi bem, admito, porque HC não é um desconhecedor, como bem vejo pela minha leitura regular, sempre com agrado e proveito. 
Diz que “terrine (ou terrina) é o nome francês dado a uma forma funda - com tampa, refractária e geralmente de cerâmica - [JVC: já agora, geralmente oval] e aos pratos nela preparados. Há quem confunda terrine com patê, talvez porque o clássico foie gras é confeccionado na terrine e, no final da cozedura, a consistência se assemelhar à de um patê. No entanto, pode preparar-se terrine com qualquer ingrediente, como legumes, que não será necessariamente patê.”
Não é bem assim. O que escreve sobre a terrina está correto, mas fica por aí. A confusão com patê (bom aportuguesamento de “paté” com “é”, em francês) parece vir, neste escrito, da ideia de que patê é só de fígado, aves ou carnes, ao contrário do que pode ser uma terrina. Ou de que patê tem a ver especialmente com “foie gras”. E não percebo o que é isto de o "foie gras" cozinhado numa terrina ficar com consistência de patê. O que é consistência de patê? Não é confusão, por analogia, com "pasta"? Ou não será que se está a pensar naquilo que qualquer pessoa vê no supermercado, umas fatias de uma pasta de fígado, pato, porco, com ou sem cogumelos ou pimenta verde, embrulhada em plástico e chamada de "patê"? Não quero crer, um gastrónomo como HC não pode induzir os leitores em tal erro. Devo estar a ler mal, repito.

Anote-se também que o “foie gras” tanto pode ser assado (melhor, cozido em banho-maria no forno) numa terrina, como diz HC, como, talvez mais frequentemente (e melhor, para meu gosto), frito a temperatura moderada em gordura (de ganso), ao lume ou, melhor ainda, braseado/salteado na sua própria gordura destilada ao aquecer controladamente na frigideira.
A diferença essencial entre terrina e patê, seja do que for, tem a ver com outra coisa muito diferente, bem indicada pelo nome patê. Este é um preparado de uma pasta/recheio, em geral de carnes, envolvida com massa e cozinhada no forno, a temperatura relativamente alta, sem ser a banho-maria como a terrina. Quem for a um restaurante parisiense, mesmo que mediano, sabe logo, ao ler a ementa, se vai comer “la terrine du chef” (a minha, sem ser de chefe, vem no meu livro) ou “le paté du chef”, que até podem ter exatamente a mesma mistura de carnes mais ou menos moídas.
NOTA - Dito isto, mais importante são as receitas que acompanham o artigo. Mas cuidado: uma terrina exige muita prática, acerto na consistência final da pasta crua, grande domínio do forno (e do arrefecimento, com o peso certo em cima!); não é só ler uma receita e ficar com a certeza de sucesso! Não aconselho fazer pela primeira vez para um jantar de amigos exigentes.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Tudo pode dar festa

Há refeições que só se podem fazer em dias de festa. Mas o que é um dia de festa? Pode ser aquele em que nos embevecemos com um sorriso bonito, em que se recorda uma data de coisas patetas mas significativas, mesmo o dia em que alguém regressa de nem que seja meia dúzia de dias que nos fizeram falta. Então, boa ida ao restaurante. Ou, em alternativa, melhor, jantar feito em casa com esmero. Se quiserem uma sugestão, aqui fica, com as receitas no sítio habitual.
Começou com uma sopa semi-inventada. Digo semi porque foi uma muito simples mistura fusionada de ingredientes nossos e de algumas coisas mas principalmente técnica japonesas. Como tenho dito, ando estimulado a  meter-me com seriedade na cozinha japonesa. Depois me aventurarei a coisas mais difíceis, de verdadeira fusão, a aprender com a minha última aquisição da Amazon, “Morimoto - The New Art of Japanese Cooking” (ISBN 978-0-7566-3123-9). O meu “caldo de horta e mar de inspiração oriental” tinha legumes à europeia, petingas nossas tratadas especialmente para evocar o tradicional “nibochi”, algas e “miso”, mas tudo feito com as regras de separação de ingredientes e tempos curtos da cozinha japonesa, para absoluta delicadeza dos sabores.
Seguiu-se um “foie gras”. Estamos em crise, claro que não foi um “top” de ganso, muito menos trufado. Usei um bloco de “foie gras” de pato (não pasta, claro) que já tenho comprado, a preço acessível, embora não para todos os dias, como produto de marca própria, no Auchan. Cortado em escalopes grossos, ligeiramente fritos na sua própria gordura com mais um pouco de manteiga, acompanhado com espargos brancos salteados em manteiga e limão, mais morchelas brevemente estufadas em manteiga, muito pouca água, ervas. Tudo regado com um sabaião de vinho do Porto, laranja e aroma de morchelas.
O que são morchelas? Uns cogumelos bizarros, esponjosos, favados, que se conhecem na cozinha francesa como “morilles”. Juntamente com as trufas e os boletos, são considerados os reis dos cogumelos selvagens. Os espanhóis chamam-lhes “morillas”, os ingleses “morels”. Em Portugal são muito pouco conhecidos. Ao que leio, são usados na zona da Serra de Montesinho, com o nome de pantorras, mas também, como uso, mais eruditamente, com o nome de morchelas, obviamente derivado da designação científica do género (com várias espécies), Morchella. Fui por eles à excelente coleção de cogumelos secos do Corte Inglês. 
No fim, o meu grande risco na cozinha, sempre me confessei pasteleiro bastante inepto. Por isto, quando me dá para inventar sobremesas, há boa probabilidade de sair asneira. Desta vez, felizmente não. Depois de uma japonesice e a seguir uma francesice, queria uma açorianice. Lembrei-me de que a menina tinha comido há tempos um bolo de chá de que não tinha gostado. Ora podia eu compensar com coisa tão evocativamente açoriana como um pudim de chá verde?
Tinto Lybra Sirah de José Bento dos Santos, a que já me referi. Muitas caixas vou encomendar por aí fora, bem como do branco Lybra Viognier & Arinto. A 6 €! Se JBS vivesse só dos vinhos Monte D’Oiro, estava falido.

P. S., 20:02Chamaram-me a atenção para me ter sido feito num blogue de receitas um ataque despropositado e descabelado, coisa quase freudiana. Não tinha visto, porque até para blogues de qualidade me falta tempo; muito mais para "tias de Cascais" e seus amigos, agora que a Moody’s está a degradá-las, e aos amigos, para "primas de Chelas". Claro que não vou responder, era o que faltava. A cada um os seus fantasmas.