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terça-feira, 26 de julho de 2011

Tudo pode dar festa

Há refeições que só se podem fazer em dias de festa. Mas o que é um dia de festa? Pode ser aquele em que nos embevecemos com um sorriso bonito, em que se recorda uma data de coisas patetas mas significativas, mesmo o dia em que alguém regressa de nem que seja meia dúzia de dias que nos fizeram falta. Então, boa ida ao restaurante. Ou, em alternativa, melhor, jantar feito em casa com esmero. Se quiserem uma sugestão, aqui fica, com as receitas no sítio habitual.
Começou com uma sopa semi-inventada. Digo semi porque foi uma muito simples mistura fusionada de ingredientes nossos e de algumas coisas mas principalmente técnica japonesas. Como tenho dito, ando estimulado a  meter-me com seriedade na cozinha japonesa. Depois me aventurarei a coisas mais difíceis, de verdadeira fusão, a aprender com a minha última aquisição da Amazon, “Morimoto - The New Art of Japanese Cooking” (ISBN 978-0-7566-3123-9). O meu “caldo de horta e mar de inspiração oriental” tinha legumes à europeia, petingas nossas tratadas especialmente para evocar o tradicional “nibochi”, algas e “miso”, mas tudo feito com as regras de separação de ingredientes e tempos curtos da cozinha japonesa, para absoluta delicadeza dos sabores.
Seguiu-se um “foie gras”. Estamos em crise, claro que não foi um “top” de ganso, muito menos trufado. Usei um bloco de “foie gras” de pato (não pasta, claro) que já tenho comprado, a preço acessível, embora não para todos os dias, como produto de marca própria, no Auchan. Cortado em escalopes grossos, ligeiramente fritos na sua própria gordura com mais um pouco de manteiga, acompanhado com espargos brancos salteados em manteiga e limão, mais morchelas brevemente estufadas em manteiga, muito pouca água, ervas. Tudo regado com um sabaião de vinho do Porto, laranja e aroma de morchelas.
O que são morchelas? Uns cogumelos bizarros, esponjosos, favados, que se conhecem na cozinha francesa como “morilles”. Juntamente com as trufas e os boletos, são considerados os reis dos cogumelos selvagens. Os espanhóis chamam-lhes “morillas”, os ingleses “morels”. Em Portugal são muito pouco conhecidos. Ao que leio, são usados na zona da Serra de Montesinho, com o nome de pantorras, mas também, como uso, mais eruditamente, com o nome de morchelas, obviamente derivado da designação científica do género (com várias espécies), Morchella. Fui por eles à excelente coleção de cogumelos secos do Corte Inglês. 
No fim, o meu grande risco na cozinha, sempre me confessei pasteleiro bastante inepto. Por isto, quando me dá para inventar sobremesas, há boa probabilidade de sair asneira. Desta vez, felizmente não. Depois de uma japonesice e a seguir uma francesice, queria uma açorianice. Lembrei-me de que a menina tinha comido há tempos um bolo de chá de que não tinha gostado. Ora podia eu compensar com coisa tão evocativamente açoriana como um pudim de chá verde?
Tinto Lybra Sirah de José Bento dos Santos, a que já me referi. Muitas caixas vou encomendar por aí fora, bem como do branco Lybra Viognier & Arinto. A 6 €! Se JBS vivesse só dos vinhos Monte D’Oiro, estava falido.

P. S., 20:02Chamaram-me a atenção para me ter sido feito num blogue de receitas um ataque despropositado e descabelado, coisa quase freudiana. Não tinha visto, porque até para blogues de qualidade me falta tempo; muito mais para "tias de Cascais" e seus amigos, agora que a Moody’s está a degradá-las, e aos amigos, para "primas de Chelas". Claro que não vou responder, era o que faltava. A cada um os seus fantasmas.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Arroz japono-açoriano

A cozinha de fusão é muito de sabores, mas não só. Creio que também de técnicas. Já aqui disse, honestamente, que não me permito fundir cozinhas que não domino, mas esta da assimilação de técnica pode ser coisa facilmente aceitável. É o caso das cozinhas orientais, em que a técnica, tão diferente da nossa, vale tanto como os ingredientes. Cansado da cozinha chinesa de tlinta e tlês, tenho pouca alternativa em relação à cozinha chinesa. Mandarim, é claro. Mas também o pioneiro, que revisitei há dias ao fim de muitos anos e que continua a marcar diferença, o Dragão de Ouro.
Ultimamente, tenho-me rendido à cozinha japonesa, que começo a tentar fazer. Coisa que tenho estudado bastante, experimentado boa meia dúzia de vezes porque não é nada simples, mas que me parece que já começo a dominar é a preparação do arroz. De tal forma que arrisquei a tal fusão, cozinhar um arroz genuinamente português com técnica japonesa. A receita era uma coisa banal de cozinha familiar açoriana, arroz de repolho e linguiça. Como qualquer arroz tradicional português, feita com arroz carolino, em princípio sem mais esmero do que refogá-lo um pouco e deixar cozer em 2-3 vezes a quantidade de água, a gosto. Arroz à japonesa tem muito mais que se lhe diga.
O arroz japonês mais vulgar é a variante japonica, de grão curto e com  muito amido, afinal do tipo do nosso carolino. Mas enquanto nós o usamos para pratos complexos, os japoneses usam-no só como arroz cozido simples, seco, para acompanhamento ou para suchi. Começo pela confeção japonesa e depois direi como fundi com a minha cozinha tradicional.
Éramos dois e comecei com chávena e meia de arroz carolino. Deitei numa tigela grande, agitei só uns segundos com bastante água e escorri. Depois, várias vezes, creio que cinco, até a água sair clara, molhei em água a cobrir e mexi bem o arroz entre as palmas das mãos, escorrendo e juntando nova água. No fim, passei por coador e deixei ficar a escorrer durante meia hora.
Entretanto, preparei o refogado com cebola, alho, louro, repolho picado previamente escaldado, um pouco de concentrado de tomate, linguiça aos cubos pequenos, louro, sal, pimenta preta e da Jamaica, um toque de malagueta. Deixei ferver cerca de 10 minutos, juntando aos poucos goles de água para cozer o repolho mas a apurar muito bem, quase a ficar seco e reservei, mantendo sempre muito quente.
Num tacho com tampa bem aconchegada, pus o arroz escorrido e cobri com a mistura do refogado, escorrida, juntando água em volume igual ao do arroz. Levei rapidamente à fervura, baixei logo o lume  ao mínimo e deixei fervilhar durante 13 minutos. Apaguei o lume e deixei abafar durante 15 minutos. Misturei bem com uma espátula bem arrefecida em água gelada e servi imediatamente.
Não vou qualificar, detesto a conversa de tias “que delicioso que me saiu”. Experimentem e digam. Até admito que me critiquem por um simples arroz de repolho e linguiça não merecer tantos cuidados. Talvez, mas dá-me gozo!

P. S. - Isto foi teste e por isso usando um componente português muito rústico. Não aconselho como preparação final, mais esmerada. Para a próxima vez, mantenho como componente português uma base muito simples de refogado ligeiro, obrigatoriamente com cebola, tomate, louro, muito pouco sal e pimenta e algum tempero, que sugiro a seguir para cada mistura. Conforme os casos, deixo ao critério dos leitores usarem azeite ou manteiga (quer dizer, em abono da dieta, margarina dietética de cozinha), só a molhar o fundo do tacho. Aqui vão alguns exemplos desses refogados.

- Bivalves previamente fervidos só a abrir a casca e descascar, alho e coentros.
- Miúdos de aves, presunto, carqueja.
- Peixe desfiado, massa de pimentão, hortelã ou poejo, uvas embebidas em vinagre.
- Atum fresco, açaflor, malagueta, pimenta da Jamaica.
- Cubos de peito de frango, bacon e cogumelos, estragão, um toque de mostarda.
- Fígado e sangue cozidos, em cubos pequenos, cominhos.
- Para vegetarianos, uma mistura de legumes a gosto, orégãos e um toque de gengibre e ainda menos de canela.
E muito mais, tudo o que vos parecer português para ir com o arroz japonês. 

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Cozinhas exóticas e de fusão

Já escrevi e reescrevi que me sinto muito limitado em relação a cozinhas exóticas por não as saber criticar. Um bom exemplo é a chinesa. Já a comi em dezenas de restaurantes “tlinta-e-tlês”. Já a comi em restaurantes caros em que me dizem que, como no Estoril, lá vai comer com os seus convidados um moderno “mandarim”. E já a comi, horrorosa para meu gosto, em restaurantes verdadeiramente populares de Chinatown, em Nova Iorque. O que é afinal a cozinha chinesa? Ou há mesmo cozinha chinesa, como haverá cozinha portuguesa, coisa misturada de tasca reles, restaurante estimável e família aristocrática?
De cozinha exótica, para muitos, sei da açoriana. Cada vez mais também da angolana, genuína, de alta qualidade. Enquanto não abre o "Tanto mar" ("manda novamente algum cheirinho de alecrim"), isto leva a outra coisa, a cozinha de fusão. Não é nada de fazer alcatra terceirense de javali ou carne de porco à alentejana com lapas, por exemplo. É mistura subtil a que não me atrevo muito porque acho que só se consegue quando se domina muito bem as cozinhas muito diferentes que se quer fundir. 
Por exemplo, cozinha em que sou mesmo leigo é a japonesa. Estou só a descobri-la agora. Nem sequer imaginava boa cozinha japonesa de fusão até um muito bom cozinheiro, meu alter ego gastronómico, nos ter presenteado, grande jantar, com excelente criação de fusão (foie gras em cozinha japonesa!) de Masaharu Morimoto. Receita não levam, porque este meu amigo é muito elitista, os seus esmerados trabalhos culinários de tarde inteira são para os amigos.
Passo a outra coisa relacionada, não propriamente a fusão mas apenas o uso de ingredientes tipicamente exóticos, predominantemente de "sabores da lusofonia": milho, batata doce, inhame açoriano, segurelha madeirense (não só), óleo de palma, farinha de mandioca, sementes de caju, leite de coco; também coisas não lusófonas mas a evocar a expansão, algas orientais, palmitos, feijão de soja, etc. Também o uso de um toque hábil de temperos exóticos característicos. Quase sempre, como vêem nas minhas receitas, coisas açorianas, pimenta da Jamaica, “todolos tâmparos”; mas também garam massala feito por mim; mistura nanquinesa de especiarias; temperos americanos “barbecue”.
Há dias, uma que ainda não tinha usado, mas vinda a caso por ter feito um prato bem tradicional que tenho comido nos Estados Unidos (difundiu-se de Nova Orleães até Nova Iorque), a “jambalaya”. Usa como noutros pratos da cozinha crioula da Louisiana, o “tempero cajun”. Vou usá-lo, muito comedidamente (é forte!), para dar um toque de fusão com pratos “nossos”. Aqui fica uma receita que me foi recomendada como bem representativa.
1 c. chá de pimenta da Caiena, 2 c. chá de pimenta branca moída, 2 c. chá de pimenta preta moída, 1 c. chá de sal fino, 1 c. chá de colorau, 1 c. chá de tomilho seco, 1 c. café de manjericão seco, 1 c. chá de orégãos secos, 2 c. chá de salva. A salva tem truque. É esmagá-la muito bem entre os dedos, a fazer pasta.
Já agora, lembrar que toda a cozinha cajun, da jambalaya ao gumbo (sopa com quiabos - quiabos, Angola, Caraibas, ai a escravatura), vive da “Holy Trinity”, mistura em partes iguais de picado de cebola, aipo e pimentão verde.

A tempo. Cozinha é cultura e não faz nada mal partilhar algum gosto que, não sendo de bem comer, é de bem aprender. Falei acima da escravatura. Já repararam que a maior parte das nossas histórias são só reinoias, que esquecem que Portugal, durante três séculos, XVI-XVIII, foi muito mais importante como império colonial do que como pequeno reino europeu de franja geográfica? Há um excelente livro recente de "História de Portugal e do Império Português", de um australiano, A. R. Disney (ISBN 978-989-8174-92-5), que tem uma coisa notável. São dois volumes de igual dimensão, um dedicado ao Portugal europeu, o outro a Portugal no mundo. Outra coisa interessante é que ambos acabam em 1807, porque depois já não é história, é discussão política e ideológica.