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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Água na cozinha

Li isto no último suplemento Fugas do Público (para assinantes), como citação, num bom artigo de Alexandra Prado Coelho. 
“O desafio era provar água para cozinhar uma sopa”, recorda Gebhard Schachermayer, director executivo do Vila Joya e organizador do festival. “Tínhamos 42 tipos diferentes de água para experimentar. O chef cheirava as águas, provava algumas, e no final decidia se a água era boa ou não para fazer a sopa. Sempre achei que água fervida era água fervida e não conseguia ver nenhuma diferença entre elas. No final, o chef escolheu duas águas diferentes e preparou a sopa com ambas — o resultado foi a noite do dia.” 
O diretor executivo do Vila Joya não tem de ser um bom gastrónomo. Até mesmo a maioria das pessoas concordará com ele em que “água fervida é água fervida”, mesmo que seja, em certos sítios e como no meu prédio, insuportável de cloragem.
Há quanto tempo, pelo menos desde o meu livro “O Gosto de Bem Comer”, 2004, que digo que não consigo cozer marisco, fazer um bom consomê, mesmo um bom caldo, ou um molho de alta qualidade sem ser com água de nascente? Os leitores devem ter sempre lido isto como esquisitice, mas agora veem um diretor de restaurante bi-estrelado confirmar que pode ser a diferença entre a noite e o dia.
Aproveito para ir mais adiante. A água de nascente por vezes também é demasiadamente insípida. Além disto, peca muitas vezes por ter uma flora bacteriana reduzida, aquém das necessidades de simbiose do nosso intestino. E é relativamente cara, só para cozinha (ou, também indispensavelmente, para o meu “ice tea” caseiro, sem açúcar). Principalmente cara quando se acresce a despesa de deslocação para ir comprar a uma única loja de Lisboa a minha água preferida, a “Gloria Patri” (tinha de ser…).
Sugiro uma alternativa, que descobri recentemente: um recipiente com filtro de água da torneira. Vale a pena referir a marca, “Brita”. Comprei numa farmácia, por 30 e tal euros. As cargas posteriores também não são baratas, mas já fiz cálculos e sai mais em conta do que água engarrafada. A meu ver, o gosto é melhor, mais “cheio” mas sem o desagrado do cloro. Sanitariamente é correto, porque entretanto, no depósito, já o hipoclorito atuou.

NOTA - há textos na net afirmando que os filtros Brita são tóxicos. A informação que consegui recolher é que são fundamentalmente de carvão ativado, um poderoso absorvente que sempre usei no laboratório para remover tóxicos mas que, em si, é inofensivo como carvão - a não ser sujar as mãos. Isto não quer dizer que não haja problemas de toxicidade, mas no fim da utilização do filtro, cheio dos resíduos que filtrou. Claro que não o vou despejar para o lixo doméstico. Como reciclá-lo? Tenho de me informar.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Faisão estufado à antiga, em honra de Escoffier

Perco-me por caça, coisa de menino regalado com ofertas de “tio” caçador viciado, e com tia especialista em ensinar-nos a cozinhar o produto do domingo de tiro ao bicho. Até já comi morta de chumbo, excelente, uma que quase toda a gente só conhece de criação, a galinhola. E anoto que tenho experiência de açoriano, que caça lá é diferente. Há coisas que não conheci até aos meus 16 anos, lebre e perdiz, porque lá na ilha só coelho bravo e codorniz. Depois, em Angola, caça grossa, pacaça, sofro, melhor de todas a palanca (proibida, mas tropa não obedecia), outros variados antílopes, javali africano (não é o nosso!), que delícia de bifes, de assados ou de guisados! Também, em Angola, capota (a galinha pintada do mato), cabrito selvagem para a caldeirada e até macaco, não falando nos filetes de jacaré. Não estou a brincar...
Há uma exceção. Nunca comi faisão de caça genuína. Comi desde miúdo, nos Açores, mas de criação, numa quinta de amigos da minha avó ("Pinhal da Paz"). Mesmo assim, raridade, porque eram só poucas dezenas de bichos. Hoje compro-os cá, congelados, preferindo uns italianos importados. Foi o meu jantar de Páscoa, com um pormenor bastante “démodé”, já verão. Há coisas que me suscitam tanto a imagem de uma ceia no Maxime, depois de ver dançar La Goulue ou Jane Avril, com Valentin le désossé, que me dá para só desenhar academicamente correto, como no velho tempo do nosso “desenho de estátua”, sem um risco de carvão fora dos cânones - coitada da minha primeira namorada, que andou lá por S. Francisco ao Chiado. Toulouse que ficasse no Moulin a rabiscar coisas acompanhadas de absinto.
Nestas alturas, como neste caso do faisão, a minha criação fica estreitada pelas regras do classicismo. Há alturas para ver o elétrico desejo e há alturas para ver Hamlet. Não fica aqui a receita, reservada para quem se quiser dar ao trabalho de a ir procurar onde sabe que as tenho, e quem não sabe que se lixe!. É que não me quero sujeitar a que qualquer tia diga “que coisa pesporrenta, não há pachorra, ó meninas, o gajo baba-se com a técnica”. De fato, não há pachorra para uma hora de compras com sentido crítico, uma hora para fazer geleia de carne como se deve, uma hora para o estufado, ensaios sucessivos - uma colher disto agora outra depois - para o molho sair equilibrado. 
Isto tem a ver com o que disse no último “post”. Caldo Knorr e produtos industriais, porque não, desde que bem trabalhados - o que não é coisa elementar? Mas em dia de festa, em jantar especial para quem tudo merece, umas horas de trabalho valem muito mais do que o dinheiro de comprar excelentes chocolates. Mais uma mesa bem posta, com as pobres pratas da família, bem vestidos mesmo só para olhar um para o outro, velas acesas, Murganheira super-reserva bruto 2004, a quadragésima muito em surdina, charme q. b.
Nota 1 - Claro que o jantar também meteu sopa. Deixo aqui umas dicas, mas só entendíveis por quem foi ler a receita do faisão. A sopa era um creme banal de alho francês com leite (nata está-me proibida) e fécula de batata. A mais, subiu o nível juntar umas boas colheres do puré de legumes estufados e miúdos, e de geleia de carne. “It’s the difference, stupid!”.
Nota 2 - Claro que as mãos de novilho, com parte da geleia, deram o excelente guisado/gratinado que era, até eu escrever, “segredo” da minha família. Tudo se aproveita!
Nota 3 - A minha querida jovem amiga M (que não foi quem jantou comigo!…) disse-me que tinha ouvido num programa do Jamie Oliver uma jovem inglesa dizer que não sabia como acender o seu fogão porque, em casa, só usava o micro-ondas!

sexta-feira, 18 de março de 2011

A barra do lado

É hábito bloguístico listar na “barra do lado” outros blogues. Muitas vezes é “io ti do un cappello a te, tu me dai un cappello a me”. É simpático, mas é bom que cada bloguista, ao fazer a sua lista de favoritos ou de sítios recomendados esteja com isto a demonstrar o seu rigor e a fazer a imagem do seu próprio blogue. Já é tempo de o fazer neste “gosto de bem comer”. E assim vou justificar, principalmente a quem merecia figurar, que eu não tenha a lista na barra do lado.
Já me disseram “mas porque é que perdes tempo com tão ruins defuntos?”. Primeiro, porque tenho muito respeito por quem procura informação culinária básica, a valer bom sorriso do marido/mulher ou elogio dos amigos do jantar. Como isto é importante, na banalidade triste da vida de hoje! Depois, porque açoriano como eu, feito mentalmente entre basalto e mar, como se fosse o banco duro sobre o qual tão inesquecivelmente discorreu Graciliano, como regra de disciplina mental, fez-se anterianamente a pensar sobre “bom senso e bom gosto”.
Tenho dificuldade em fazer a tal lista (e, para simplificar, omito alguns blogues bons de enologia e críticas/sugestão de vinhos). Depois deste exercício, talvez consiga uma pequena lista. A primeira dificuldade é que, vendo a lista de vários anos dos meus blogues gastronómicos de alto nível, já muitos desapareceram. Gostava de saber por quê, mas palpita-me que sei. Como me sinto, foram afogados pela mediocridade, devem ter pensado que era inglório competir nesta blogosfera. No entanto, como ainda são visitáveis, vou relembrar alguns.
À cabeça, embora com coisas às vezes para mim irritantes, o que nos levou a quiproquós, o Avental do Gourmet, de um anónimo que muito sabia de gastronomia - pagava para ir aos grandes restaurantes estrangeiros, de que trazia notas - e era cozinheiro criativo (artisticamente criativo, não artesanalmente criativo), embora não no meu estilo (mas viva a diferença!). Memorável, o Bloco do chefe Cardoso, de Nuno Barros, da malta do 2781. O criterioso blogue de crítica de restaurantes Contra prova também se foi, provavelmente porque Lourenço Viegas escreve hoje em jornais. Também o No prato com. O DonVoxx prometia, principalmente em relação a vinhos, mas durou pouco. Finis também para o Fogão do kuka, de um cozinheiro sério, com gosto pela divulgação do que faz falta, boa técnica de base. E mais, para não alongar este escrito, mas sem desconsideração para os omitidos.
No entanto, destaque ainda para um que não sei se encerrado se só em letargia, o luisantonego, de um patrício meu que não conheço. Indescritível, imperdível, um prodígio de humor, inteligência, agudeza, boa escrita. Vão lá ver, mesmo que não esteja a publicar regularmente. Ah, ilhéus!… Vejam só o primeiro parágrafo do seu último “post”: "Gostaria de começar este post pelo intestino. Esse órgão apaixonante. Como é óbvio toda esta parlação e comilança acaba de uma forma ou outra por passar no intestino. Mas a questão até é um pouco mais ao lado das funções intestinais, pese embora a labreguice, presente no que vou relatar e claro sempre presente neste blog, que se vos apresenta sob a forma de rebuçado salgado, seja apanágio deste país. Ou seja, no fim é de cócó que estamos a falar.” 
Hoje, para mim, só dois três estrelas. Primeiro, imperdível, o Mesa marcada, feito por quem sabe da poda - Duarte Calvão, Miguel Pires e Rui Falcão. Mas é pura gastronomia, não procurem lá receitas, muito menos referências às Nigellas e aos Jamies. Também Virgílio Gomes tem um sítio abrangente, mais do que um blogue, com crónicas, notícias de livros, críticas. Altamente recomendável. Até perde tempo, como eu, na luta inglória de denunciar as aldrabices gastronómicas que andam pela net. Ainda, por enquanto sem classificação, um novo blogue que promete, o Clube Gulae, de um grupo de amigos que inclui uma jovem excelente gastrónoma e conhecedora de tudo o que por aí vai de restauração. Tem a quem sair, ou de pequenino é que se torce o pepino.
Na crítica de restaurantes, recomendo o Ponto come mas com alguma incerteza, porque a sua última entrada já data de Dezembro passado. Sabem de quem é? De um notável homem público, diplomata, ex-governante, homem de cultura, Seixas da Costa.
Caso especial é Dadivosa, um blogue brasileiro. A cozinha não é de topo, mas vale a pena pelo que de melhor tem o blogue, uma bela escrita envolvente. Vale a pena ir lá pelas crónicas, pela imaginação e pela graça das conversas, pela maestria no uso da nossa língua. Vejam só: “Vai daí que aquela rama de salsa crespa, semi-desmaiada, aquela mesma, que foi esquecida fora d’água em dias de tempo seco por demais, não foi desperdiçada. Amarrei-lhe um barbante nos pés juntos, pendurei todo mundo de cabeça para baixo na prateleira e depois de uma semana a “peça decorativa” perde uns galhinhos a cada vez que invento uma cozinhança. Esfrego umas quantas folhas entre os dedos e alegro o que estiver na mira. É a redenção da salsa crespa, que sai do castigo para ornar e perfumar omeletes, risotos, sopas rápidas, guisadinhos e gororobas mil. Um castigo temporário, portanto, bem melhor do que o fundo do lixo.” Temos escritor!
Podia passar aos “uma estrela” (nada mau, no panorama da nossa blogosfera gastronómico-culinária). São sérios, têm preocupação de criatividade, revelam bom gosto, iria com curiosidade a um jantar feito pelos autores. No entanto, como dois ou três dos seus autores - com um pé no lado de alguma qualidade e o outro no lado da vã glória dos elogios das tias - já me fizeram saber que não aceitam o meu direito a ser "júri", fico por aqui. Limito as minhas referências a quem não se feriu com a estrela simples,  o Garficopo e os Cinco quartos de laranja. Têm ambos em comum, como eu gosto, o embrulho das receitas em boa "conversa fiada" (repito: vejam a Dadivosa).

Para mim, a barra do lado seria só isto. Muito pouco, quando há centenas de blogues portugueses de culinária, coisas na net com que não devia perder tempo, não fosse esta minha mania de “defesa do consumidor”. Mesmo assim, com justiça, distingo. Há autores/as que dizem, pura e simplesmente, “gosto de cozinhar e quero partilhar este gosto”. Até mesmo, temos de aceitar, "só cozinho com a Bimby e vou usar este blogue para as minhas dicas sobre como usar melhor essa coisa". Muito bem, é hoje a lógica da net, das redes sociais, dos “amigos virtuais”. De uma forma geral, estes blogues são simples até de aspeto, são sinceros, podem ser toscos mas não destilam aldrabice. Quanto ao resto...

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Sela de borrego, segundo Santi Santamaria

Volto a Santí Santamaria, em homenagem. Nunca fui a El Raco de Can de Fabres mas SS tinha por bom hábito divulgar uma ou outra das suas receitas emblemáticas. Uma das que já reproduzi é a célebre sela de borrego. Permitam-me uma nota pessoal, a justificar a minha ligação a tal prato. Estava eu nos meus vintes economicamente fraquinhos, assentei como regra coisa pouco vulgar. Ia raramente a restaurantes banais e reservava o dinheiro para uma ida anual ao Tavares e ao Aviz. Depois, alarguei ao Conventual e ao Gambrinus. Era o que valia a pena, entre fins de 60s e princípios de 70s. Isto teve um efeito colateral. Prescindindo de restaurantes banais, comecei a cozinhar eu, em casa, a fazer festas de amigos ou simples jantares de casal, a apetecer mais. Daí o meu critério de muitos anos, só gosto de um restaurante de onde saia a pensar que eu não faria melhor. Ainda hoje vale.
Ora um dos grandes pratos do Aviz era a sua sela de borrego. Não tenho a receita, há muitos anos que não como, mas tenho ideia de uma sela bem esfregada com um pouco de alho e sal e ervas, creio que principalmente tomilho e alecrim. Assada no ponto, a carne destacada dos ossos antes de servir, no ponto, suculenta. Guarnição, já não me lembro. Sei que era minha predileção.
Mas aqui vai, em versão livre em português, a receita de SS, uma excelsa combinação da carne e legumes. Na receita que recolhi, falta a indicação da quantidade de alguns ingredientes (SS também não era tão mau empresário ingénuo que fornecesse a receita exata). Acertei-a por mim e para meu gosto, quando a faço, mas seria desrespeito indicá-la aqui. Fica ao critério daqueles meus leitores que o poderão saber fazer, exceções na blogosfera das receitas de revistas de cabeleireiro.
1 sela de borrego ou cordeiro, desossada, mistura de cogumelos selvagens (quanto?), 3 cenouras, 1 bolbo de funcho, 6 couves de Bruxelas, 1 curgete, 3 alhos franceses pequenos, couve flor (quanto?), 2 chalotas, cebolinho, manteiga q. b., azeite q. b., sal, pimenta da Jamaica, salsa, coentro.
Esfregar a sela com sal e pimenta e estalar bem, numa assadeira metálica, num pouco de azeite. Passar para o forno, com manteiga. No fim, pincelar com bastantes coentros picados misturados com azeite. Cortar em troços, ao comprido da sela. Colher, misturando, o molho e o suco que escorre ao cortar a carne.
Entretanto, escaldar os legumes, exceto a chalota, em água com sal, a ferver, até ao dente, escorrer e reservar. Cortar em pedaços relativamente grandes e saltear em azeite, a ficarem crocantes. Cortar os cogumelos em pedaços grandes, saltear muito bem em manteiga, até bem dourados, juntando a meio a chalota picada e, antes de servir, juntar o cebolinho e a salsa.
Servir uma coroa de cogumelos, com os legumes ao centro, ao lado das fatias de carne regadas com molho.

Nota - Quem por acaso tiver lido receitas minhas verá que vou muito por Santi. Bons produtos, captação das essências da cozinha tradicional pesada para a transformar em cozinha leve, elegante, moderna. Técnicas de restaurante profissional que não podem ser reproduzidas em casa, ótimo para ir comer ao Bulli, mas não me interessam no dia a dia. Receita é para mim coisa que eu também consiga fazer, com desvanecimento dos meus amigos visitantes do ninho da águia e gastrónomos apreciadores e exigentes. Por isto, muitas ficam impublicáveis, é o gozo da partilha exclusiva com o "inner circle".

(Editado em 20.2.2011, por erros na transcrição da receita, verificáveis num vídeo de SS que só agora encontrei)