Há muita coisa em que a blogosfera está a dominar a informação tradicional, por exemplo a televisiva e de jornais. Um triste exemplo é o da cozinha. Vendo tão medíocres coisas que as tias publicam, sinto-me no dever de prestar homenagem a quem merece.
Não posso deixar, desculpem, de invocar a minha história. Logo no meu primeiro casamento, muito jovens, éramos dois filhos de casas de muito bem comer. Em casa pobre de estudantes, começamos a fazer o melhor que se podia com poucos meios. Ao mesmo tempo, com grande gosto pelas recolhas da nossa cozinha tradicional, de velhas Deodatas e vizinhas. Tratava eu mais disto, “ela”, ainda minha boa memória, comprava a Banquete. Primeiro cumprimento, bem devido, a Maria Emília Cancela de Abreu e à sua grande colaboradora, Maria de Lourdes Modesto.
Depois, dois anos de Angola, com experiências culinárias marcantes. Grandes jantaradas de amigos com velhas cozinheiras com quem aprendi algumas coisas (para além do que tinha aprendido no mato, no Zaire, até caldeirada de macaco e filetes de crocodilo). Também aí a minha introdução à cozinha brasileira, porque lá na universidade desse tempo havia Zenaides.
Importância da televisão na minha formação culinária foi a seguir, na Suíça. Imperdível foi o meu curso dado por mâitre Jacques, um extraordinário cozinheiro com quem não aprendi nada de modernices ou de receitas inovadas, mas tudo o que me permitiu, lendo Escoffier, saber fazer o que o livro não descreve totalmente, como técnica. Aprendi a fazer um demi-glace e um holandês, também a sua máxima de que "on attend un souflé, un souflé n'attend pas".
Depois, em Portugal, muitos programas interessantes (Michel, nos seus bons tempos, até mestre Silva), mas a descambar para o sucesso fácil junto de pessoas que, respeite-se o seu interesse, querem apenas uma refeição aparentemente melhorada para amigos que não percebem que aquele toque de tomilho é a maior das banalidades. Neste descambar, primeiro Filipa Vacondeus, vá com um pequeno jeitinho para a cozinha, depois D. Mafalda, que já se passou. E, em escala internacional de sucesso, Jamies e Nigellas. Mas também há na TV um Gary Rhodes, a léguas de distância de qualidade. Assim como um desafio estimulante para espetadores sabedores que era o “Ready, steady, cook”. Quantas vezes fiquei a pensar o que fazer com aquelas compras tontas do supermercado. E depois a aprender.
Também há outros programas televisivos divertidos, mas que não pretendem ensinar culinária, só despertar, e muito bem, o gosto pela gastronomia, como os de Anthony Bourdain.
Tudo isto para chegar ao meu imperdível programa televisivo de culinária, o “Ingrediente secreto”, de Henrique Sá Pessoa (RTP 2, domingo, 19:00). O homem é simpático e telegénico. As receitas certamente que não são os seus segredos do Alma mas são um excelente compromisso entre qualidade e simplicidade para acessibilidade ao cozinheiro amador. Esmera-se no aconselhamento de boa técnica mas com uso de utensílios que qualquer pessoa tem em casa. Mostrar como se pica ervas segurando na ponta da faca e insistindo em que nunca ervas vão ao moinho é coisa que as tias do “ai que delícia” não dizem. Ou como se pica uma cebola com filosofia, dizia Santamaria.
A grande maioria das tias bloguistas de cozinha devia fechar os seus blogues dizendo apenas “não vale a pena lerem estas minhas receitas tiradas das revistas de cabeleireiro, vejam o programa de Sá Pessoa”.
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