Há tempos idos - e agora não tenho vagar nem pachorra para ir buscar a ligação - escrevi uma coisa provocatória, muito criticada, sobre como uso sopas e caldos industriais. Bem gostava de saber o que é a cozinha diária, no regresso cansado do trabalho, desses meus críticos. Há o velho dito de que nenhum "gentleman" tem segredos para o seu criado de quarto. E nenhum grande gastrónomo-cozinheiro para a empregada que lhe lava a louça e lhe vê o lixo. O meu lixo está cheio de restos e embalagens inconfessáveis.
Fora o fim de semana de grande esmero e gozo culinário, bem partilhado, o meu dia a dia, ainda por cima muito condicionado medicamente, é banal. Pequeno almoço, dia sim dia não, de leite com cereais ou de leite magro com pão barrado com manteiga idem. A meio da manhã, umas bolachas. Almoço de sopa e prato simples, em geral cozido ou grelhado, com uma salada - à parte! Primeiro lanche de fruta com um pouco de pão, segundo de iogurte 0-0. Algumas variações, de queijo fresco, fumados magros, frutos secos, até um pratinho de camarão. À noite, jantar de sopa rica. Ao deitar, o que apetece de gulodice não gorda, imaginem tudo o que pode ser, é quando me desforro e me desafio.
Abro parênteses para o almoço, na minha cantina. Nada mal, boa relação qualidade/preço, com dois senãos. Primeiro é que anunciando-se todos os dias uma sopa diferente, de legumes, de alho francês, de espinafres, de ervilhas, de grão, de feijão verde, etc., não é verdade. A sopa é sempre de cenoura, com uns fiapos de coisas a justificar o nome. O gerente dá-me razão, mas diz que os clientes é que exigem o essencial de cenoura. Pois é, quem paga o concerto é que escolhe o programa! E um dia destes isto justificará o Quim Barreiros no S. Carlos.
O mau gosto não se fica por aqui. A oferta é em bufê. Em geral, variado e equilibrado, mas isto pode ter efeitos perversos. Imaginam o que é a minha náusea quando vejo alguém ao meu lado encher o prato com salada ultra-mista (vá lá, não exijo que usem o prato pequeno disponível) mas também com uma posta de peixe cozido ou um filete, um bife grelhado, uma boa colher de frango de caril, outra de feijoada, mais cenoura (sempre a cenoura!), batata frita e arroz? É encher a gamela!
Vou então à sopa. Não vou falar de grandes receitas de hora de esmero, mas de fim de dia como o de hoje. 3-bases-3, preparadas numa meia hora de segunda feira: sopa de legumes, caldo de aves/carne, caldo de peixe (“fumet”). Custa-me 15 minutos de compra no supermercado à ilharga. Dia a dia, vario, enriquecendo. E confesso, baraço ao pescoço, que às vezes é mesmo caldo industrial, principalmente agora que há os muito aceitáveis caldos Knorr em pasta, numa espécie de tacinhas. Ai, o que eu vou ouvir! Por exemplo, como se segue. Anote-se que isto também é coisa de modas. Antes eram sopas com nata, depois queijo, pontas de espargos, hoje é tudo com ovo picado (que também uso, mas não só, e mais frequentemente como metades de ovinhos de codorniz, o que sempre parece diferente).
Hoje, o caldo de aves
miúdos e partes de carne ou carcaça de galinha ou frango do campo, cebola, alho, cenoura, aipo, salsa, louro, casca de limão, sal e mistura em partes iguais de pimenta branca e preta
ficou simplesmente mais nutritivo porque lhe juntei, a ferver e em fio, dois ovos batidos, que ficaram a aparecer. “Oh, simple thing!” Outras vezes, acrescento legumes em peça ou um montinho de mirepoix, às vezes sobre uma minitosta, ou o que há no frigorífico, leite magro, requeijão, uma tosta barrada com pasta de fígado, etc.
A enriquecer sopas de legumes ou hortaliças,
o que calha, sempre com um pouco de azeite, cebola e alho, louro, sal e pimenta branca, salsa, base de engrossar calorífica - batatas - ou dietética - couve flor, curgete, caiota
coisas fortes, de sabor contrastante: cubinhos de bacon salteados ou de presunto cru, uns restos de frango assado também picado em cubinhos, mascarpone ou ricotta, um pouco de recheio de farinheira ou alheira ligeiramente salteada e bem misturada com a sopa, uma boa colher de pasta de fígado, vejam que tudo isto é facílimo de fazer à la minuta. Fora, é claro, as variações de gosto, a cada ocasião, com temperos e ervas. Ainda um toque de óleo de palma ou de leite de coco, a tropicalizar.
Outra coisa para toda a semana é o “fumet”,
azeite, cebola, alho francês, cogumelos, alho, louro, vinho branco, cabeça e restos de peixe, ervas e temperos.
Como isto já vai longo, só algumas sugestões telegráficas de enriquecimentos. Algas pré-incubadas em água quente. Lascas de pepinos de conserva. Uma tosta com “caviar” de supermercado. Um picado de salmão fumado ou espadarte. Filetes de anchovas bem demolhados. Sardinhas ou petingas de conserva bem secas e semi-assadas no forno, 30 minutos a 100º. Um bolinho de atum de conserva com cebola picada e farinha de milho, rapidamente alourado e embrulhado num tachinho ao lume. Tomate seco. Para sabor diferente, variar com um toque de funcho, de erva-príncipe, de açaflor, de pasta de azeitonas e alcaparra.
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