sexta-feira, 1 de junho de 2012

Cozinha angolana

Este fim de semana, para amigos especiais bons apreciadores, vai haver pirão, coisa emblemática da cozinha angolana, principalmente na zona costeira da área quimbunda (entre Catete e Cuanza). Vou excecionar, como dizem os ngolas, a minha regra de aqui não dar receitas. Devo esta exceção ao que tenho aprendido de bem comer tropical com a morena. 
Morena manda, quando tem memória mesmo que vaga de quatro gerações naquela terra, coisa que se intui e se sente com aroma de cravo e canela, também, em noite de poemas de Lorca, a confundir morena à Chico de chocalho na canela (e de família da Catumbela...) com morena cigana filha de feiticeira parida de lua cheia "preciosa en el aire" (ponham as vírgulas onde acharem melhor). 
E a lembrar que até o pateta (seria?) do D. João VI, comendo uma perninha de frango ou de galinha, decretou que a morena de Paquetá valia mais do que a Carlota Joaquina. “Porque eu sei e eu decreto que a morena é boa”.
Passemos ao sério, já chega de desvarios. A cozinha angolana não é muito variada, atendendo à enorme área do país e à existência de três etnias principais (bacongos, quimbundos, ovimbundos). Vive essencialmente do ubíquo óleo de palma, dos legumes do “lavra” (mandioca, batata doce, quiabos, abóbora, tomate levado do "puto"), do gindungo (piripiri), do amendoim (ginguba), da folha de mandioca (quizaca) - às vezes substituída pela da batata doce, menos amarga. Sobre esta base, a galinha doméstica, o cabrito selvagem ou a capota, no interior, o peixe fresco mas principalmente seco e salgado, no litoral.

Rei dos peixes secos é o cacusso (na foto), "kikuzo" em quimbundo, um peixe de laguna ou de foz de rio, de água entre salgada e doce, que os turistas que vão a Israel e almoçam em Tiberíades comem obrigatoriamente como preciosidade local, o "peixe de S. Pedro".

Como disse, pirão, ó coisa simples e tão boa, e sem precisar de nada que não encontrem no supermercado do costume. Peixe, com a respetiva sopa de peixe acompanhada com farinha grossa de mandioca a embeber com o caldo. Parecido, o muzongué, mais ao sul de Luanda, lá para Benguela. Mas talvez não seja assim tão simples, porque a nomenclatura das coisas básicas é traiçoeira, tão banais elas são que cada um diz como quer. Já ouvi chamar pirão ao simples funge, a papa de farinha de mandioca! Que, por seu lado, é funge porque feito simplesmente com água e com fuba (farinha), que sem mais nada é de mandioca. Mas também se faz funge com fuba de milho ou com mistura. Que confusão!
4 peixes pequenos, cacusso (cá, tipo cantaril ou redfish ou mesmo de pele escura, como o sargo, até a dourada); 2 dl de óleo de palma; 2 batatas doces grandes; 1 mandioca; 2 cebolas ; 3-4 dentes de alho; 2-3 tomates maduros ou 1 lata de tomate pelado; água (bastante, cerca de 1,5 litros); sal q. b.; gindungo q. b.; 300 g de farinha de pau grossa.
Refogar moderadamente a cebola e o alho picados no óleo de palma, acrescentar o tomate sem peles e sem sementes cortado aos bocados, acrescentar cerca de 1,5 l de água. Levantar fervura e juntar o peixe cortado em postas. Temperar. Cozer, cerca de 15 minutos, sem deixar desfazer o peixe.
Separadamente, cozer a batata doce e a mandioca, aos pedaços, escorrer e servir à parte.
Torrar a seco a farinha, num tacho e embeber com o sobrenadante gorduroso do caldo, colhido cuidadosamente com uma colher, sem ficar em papa.
Come-se o caldo e o peixe, em prato de sopa, temperando com sumo de limão. A farinha é servida ao lado e vai-se comendo à colher, molhando na sopa.

P. S. - Em homenagem a uma avó Mariana que lá está em cima conversando com outra avó Adélia sobre os predicados gastronómicos da neta e do neto.

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