No texto anterior sobre cozinha angolana, “desvalorizei” a muamba, só porque é cá bastante conhecida. Afinal, dedico-lhe esta entrada. Primeiro porque a comi hoje, magnífica, eu apenas a ver e a registar religiosamente todos os pormenores, que ultrapassam muito o que eu já há muito tempo fazia, a muamba aprendida quando por lá andei, mas ainda sem capacidade de aprendizagem culinária eficaz. Hoje sim, aprendi a fazer muamba com os requintes que merece toda a cozinha que não tem requinte (contraditório? Olhem que não…).
Outra razão para esta entrada ao arrepio do que tinha dito é que tenho sempre de deixar bem clara a exceção à minha regra, atrevida, arrogante, chamem o que quiserem, de que a coisa mais rasca que define a nossa cultura é que “gostos não se discutem”. Claro que se discutem! Com uma exceção, como disse. Os meus gostos não os deixo discutir :-) e o que mais gosto na cozinha angolana é a muamba. Não é mais do que razão para eu escrever sobre ela?
Por hoje, vou referir-me só à mais conhecida, a muamba de galinha. No Zaire, comi com frequência, em casa do meu amigo catequista protestante, uma excelente muamba de peixe, que, com variação, também se faz na ilha de Luanda. Lá no meu rio do paraíso - boa amostra do Amazonas - só levava peixe fresco (no Zaire não se secava peixe, como em Luanda) e tinha como coisa única uma boa molhada de sementes frescas de caju. Vamos então à muamba de galinha.
4 pessoas. 1,2 kg de galinha, 1 dl de óleo de palma [1], uma cebola grande, 2 dentes de alho, 500 g de abóbora, 600 g de quiabos, 1 tomate pequeno ou 2 c. sopa de tomate de conserva, aos cubos, sal e gindungo (piripiri), sumo de limão.
Cortar a galinha aos pedaços e lavar. Retirar a parte do pé dos quiabos e lavá-los duas ou três vezes em água quente [2]. Escaldar em água a ferver, durante um minuto e escorrer.
Derreter o óleo de palma e refogar a cebola e o alho, picados. Juntar o tomate picado e continuar a refogar. Juntar a galinha e voltear bem. Água a cobrir, sal e piripiri (a gosto - indicativamente, 3-4 malaguetas ou 1 c. café de piripiri moído, seco [3]). Levar à fervura, em lume forte, baixar o lume, tapar e deixar ferver durante 20 minutos. Acrescentar a abóbora aos cubos pequenos e cozer mais 15 minutos, a lume médio, com o tacho ligeiramente aberto. Juntar os quiabos, cortados segundo o comprimento, se forem grandes. Deixar cozer bem, cerca de 10 minutos, até a abóbora estar bem mole e os quiabos terem engrossado o molho [4].
Tipicamente, acompanha-se com funge, uma papa de farinha de mandioca. Há quem confunda dois termos, funge e fuba. Em quimbundo, funge é a papa, feita só com farinha e água. Farinha é que se diz fuba, sendo de mandioca sem outra especificação. Também é muito usada a de milho. Não sendo grande apreciador de funge (de mandioca), comi hoje a muamba com funge de fuba de milho [5]. É fácil de fazer mas tem os seus truques.
250 g de farinha de milho, 1 l de água. Aquecer bem a água mas só a deixar fervilhar. Polvilhar com 3-4 c. sopa de farinha, mexendo muito bem, baixar o lume e continuar a mexer, cerca de 2-3 minutos [6]. Acrescentar o resto da farinha, misturar muito bem e deixar cozer, cerca de 5 minutos, a lume médio-baixo, mexendo sempre. Não leva sal!
A muamba serve-se em prato de sopa, em cujo fundo se coloca, a gosto, sumo de limão, para “cortar” a gordura [7]. Quem gosta bem de picante, junta a este sumo de limão e mexe bem mais gindungo picado ou moído, antes de se servir da muamba.
NOTAS:
[1] Nunca digam a um angolano que vai usar azeite de dendém… É a designação brasileira (baiana), mas em Angola é óleo de palma.
[2] Ou o necessário para tirar o “ranho” aos quiabos.
[3] O melhor é o piripiri (gindungo, como se diz em Angola) fresco, como eu tinha no canteiro à beira da messe da Pedra do Feitiço. Na falta, piripiri seco, mas nunca os variados molhos que por aí se vendem, com base em azeite, até uísque.
[4] Mas não a resultar tudo numa papa, como já tenho visto. No fim, abóbora e quiabos devem ficar bem visíveis.
[5] Portugueses que não vão em funges não escandalizam nenhum bom cozinheiro angolano se optarem por um puré de batata (não temperado). Confesso que é a minha opção preferida.
[6] Fica uma espécie de creme, a facilitar a incorporação posterior do resto da farinha. Tradicionalmente, a farinha é toda acrescentada inicialmente, de uma pazada, sem este truque, mas é um convite a fazer grumos ou a grande exercício braçal.
[7] Há quem use sempre sumo de limão, desta forma, com todos os pratos com óleo de palma, exceto o menhandungo, que já leva vinagre.
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