Muitas vezes aqui confessei, honestamente, que não domino cozinhas exóticas. Fico-me por tentar fazer bem as receitas de livros que amigos estrangeiros conhecedores me recomendam, como lhes recomendo Maria de Lourdes Modesto (é pena que não haja um livro generalista de cozinha portuguesa mais “portátil”, mais barato). Lamento mais esta minha compreensível falha no caso das cozinhas de países irmãos. Procuro colher o melhor que posso de cozinha brasileira, junto de muitos e bons amigos apreciadores, cultivei por mim a cozinha angolana a que me habituei há muitos anos, mas obviamente que agora não preciso de a fazer, quem sou eu para rivalizar com quem eu sei?
Paradoxalmente, para quem conhece a minha história, sei muito pouco de cozinha moçambicana. Talvez seja injusto, mas creio que, ao contrário de Angola e refletindo muitas outras coisas do mesmo tipo de diferenças na mentalidade e na estrutura social da colonização, os colonos portugueses moçambicanos nunca cultivaram a cozinha africana. Quando muito, adotaram o caril moçambicano (e acho que o designo bem, porque é uma versão típica de mistura de cozinha goesa e indoislâmica moçambicana) bem como o churrasco que nem sequer era feito como simples frango à cafreal. Em relação ao resto, por exemplo a cozinha de milho ou a cozinha de amendoim, a sobranceria com algum toque de mentalidade sulafricana, ali tão próxima.
Por isto, o título deste texto. Não tenho dúvidas em escrever que uma muamba, um calulu, um pirão de peixe, um muzungué, um feijão de óleo de palma com peixe frito, muito mais, são genuinamente cozinha angolana. Cozinha de angolano mesmo angolano preto de ontem e de hoje, de angolano branco de ontem, de angolano de hoje cá, de tanta mestiçagem magnífica. Angola é só uma Angola. Quanto a Moçambique, tenho mais dúvidas. As senhoras da sociedade isolada branca trocavam receitas, faziam uma certa cultura culinária, até bastante boa, que acabou codificada num livro muito popular por aquelas bandas, "Coisas boas". Achei que não podia falar de cozinha moçambicana colonial “integrada”, muito menos de cozinha moçambicana de hoje. Daí o título um pouco estranho.
Descontando erro meu provável de desconhecimento daquelas bandas, parece-me que se pode valorizar como exemplo de cozinha de integração étnica, em Moçambique, o camarão de cervejaria. Há descrições como "à laurentina”, mas segundo ouço a quem por lá passou, o que ficou como recordação foi o camarão da Nacional, uma cervejaria muito conhecida.
Não vou dar receitas, porque não as consigo garantir. Como disse, a minha garantia é normalmente indireta, por boas referências ou então, muito importante, por me ter ficado na minha excelente memória (quem não é inteligente ao menos que tenha boa memória…), também olfativa e gustativa, a pedra de toque da crítica. Neste caso, limito-me a dizer que parece haver no repositório de receitas na "net" uma boa convergência. Não deve ter havido tempo para muitos desvios fantasistas. Googlem e façam a síntese, talvez com a ajuda que vou dar, em relação a regras essenciais que me foram dadas por quem sabe. Depois, muitas pequenas variantes, que não sei discutir, e que podem ficar ao gosto de cada um, desde que respeitem as regras básicas.
Camarão grande, 20-30 (não se enganem com a medida, porque quanto menor o valor, maior é o camarão, dado que o valor é o de peças por quilo). Com este tamanho, a tripa já é suficientemente grande para dar mau gosto e até intoxicar. O camarão é cortado pelo dorso, da base da cabeça até à cauda e retirada a tripa verde, delicadamente, com a ponta de uma faca. A seguir, o tempero inicial. Em algumas receitas, antes da pasta a seguir, apenas sumo de limão e sal, por vezes lascas de alho. Aconselho como passo inicial geral, porque se adapta bem a tratamentos culinários diferentes, a seguir.
O tempero é, em geral, uma mistura de alho bem pisado com sal, no almofariz, sumo de limão, piri-piri fresco picado ou moído em molho (também a versão lusoafricana frequente de infusão em azeite/óleo e numa bebida alcoólica forte). Misturar ou não margarina, a engrossar a pasta, depende do que se faz a seguir.
Havia quem os preferisse fritos. São os descritos mais frequentemente como “à laurentina”. Neste caso, a marinada não levava gordura e os camarões eram fritos em azeite ou óleo, regados com a marinada e o tempero reforçado com mais piri-piri. Como variantes, as tais cuja genuinidade não discuto, gengibre, coentros, colorau.
Segundo me dizem, os da Nacional eram assados e escrevem “herdeiros” da receita que a marinada era já com gordura, azeite ou óleo e bastante margarina, para ficar pastosa e embrulhar bem os camarões. Para isto, não bastava só o pequeno corte no lombo, os camarões eram quase que totalmente abertos em duas metades. Não sei, nunca comi. Para cozinhar, simples ida ao forno em assadeira. Há quem diga que com uma boa rega de cerveja.
Se assim é, acho estranho, em termos de eficiência de uma cervejaria. Camarões a irem ao forno e o cliente a esperar pelo tempo certo? Parece-me muito mais eficaz a versão de encher a frigideira e já está.
Leitores moçambicanos, aguardo os vossos comentários. Gosto de aprender com quem sabe. E sem esquecer as versões muito pessoais e simpáticas, como a dos camarões dos dias do fim.
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