Não há dúvida de que eu tenho um problema esquisito, provavelmente snob, em relação às fotos nos blogues culinários. Já aqui deixei essa coisa escrita, em tom jocoso. Esta do jocoso é coisa perigosa, valeu expulsão por três anos de todas as universidades ao meu caro patrício José Medeiros Ferreira, “aka” Zé das barbas. Ele conta a história na sua excelente entrevista à última Pública, mas passo adiante, que este sítio não é de memórias políticas da juventude.
E cá estou eu a devanear antes de ir aos importantes. É pecha de quem menino se fez em conversas de família. E, ao escrever um livro, recebeu largos encómios por as receitas irem embrulhadas em muita conversa fiada. Nem inventei, é coisa velha de gastrónomos que sempre foram cultos e de verve fervilhante. Escreveu-me há dias uma companheira destas lides fazendo-me notar que estava a gostar de fazer o mesmo. Faça, laranja, faça! Ainda por cima, está a fazê-lo com simplicidade, elegância de “oh, simple things”, não o evidente embrulho de novo-rico cultural de outras escritas. A cozinha é um gosto, uma arte, aquece a alma, o gosto de viver. Só isto pode ser um pequeno - mas que grande - toque de diferença para as blogo-copistas da Nigella e do Jamie.
Isto também me faz lembrar algumas conversas com o meu eficientíssimo editor, antes de lançar o meu livro. Bati-lhe o pé em relação a algumas propostas: livro em formato grande, bem encadernado, papel “couché”, muitas fotografias. Quanto a isto das fotografias, foi fácil fazer o ZC compreender que fazer de novo e fotografar as minhas 270 receitas originais adiaria o livro por dois anos. Demais, convenci-o de que todos esses ademanes são ou para cozinheiros de primeira linha, chefes a merecer edição de luxo, ou então aldrabice de tias; e que eu não era nem um nem outro caso. Diga-se que esta minha posição firme me foi fortemente aconselhada pelo meu alter ego gastronómico, que um dia direi quem é, quando ele deixar de ser visceralmente anti-net e anti-violação da sua privacidade.
No entanto, não tenho nada contra a publicação de imagens nos blogues. Faço-o com frequência no Moleskine, para benefício da qualidade gráfica e também por gozo, brilharete intelectual de referência cultural - confesso - a ver se os leitores percebem a alusão, se até usam a imagem para “googlarem” em busca de mais informação. Num blogue gastronómico, pode cumprir apenas essa função de referência, como a minha recordação da Pedra do Feitiço. Também a transmissão do gosto de ver o nosso trabalho registado na fotografia de um bonito empratamento, até em relações muito privadas, como faz o tal meu alter ego quando me manda a sua última invenção.
Também se justifica no caso de pratos pouco conhecidos ou quando o aspeto não corresponde a versões menos genuinas. Aconteceu-me com a muamba. Infelizmente, a minha foto ficou má e mais valeu não a publicar. Provavelmente ficaram melhores as da minha morena, mas hoje ausente no estrangeiro. Quando voltar, publico a sua foto.
Muito diferente é a longa coleção de fotos num mesmo “post” de receita banal. Cá vai a carne cortada aos cubos. E mais foto da cebola picada. E como fica a cebola misturada com o tomate picado. E do refogado a ferver. E eu a bater a massa, e a recheá-la. No fim ficou assim, mas desculpem a câmara do telemóvel ser fraquuinha, ficou tudo roxo. Há quem publique mesmo assim, mas eu ainda tenho um dedinho de cabeça, não sou astrólogo nem hipnotizador.
Vai longo o relambório. Vai certamente longo demais para quem comenta que eu sou um escritor chato que ninguém consegue ler ao fim de dois parágrafos. Pois, coisas, vieirices (aqui vai outra provocação às tias), culpa de avô mestre da língua! E tudo para chegar ao que podia ter dado um simples parágrafo para quem só sabe “compreender” um “sound bite”. Escreveu algures uma tia que o facto de eu não publicar fotos era sinal de não me querer sujeitar à prova de que tinha feito bem a receita e que o texto não era uma invenção. Ó minha senhora, e eu a julgar que uma receita (o tal texto) era mesmo sempre uma invenção!
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