segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Cocotte

Às vezes, perco dias e dias a tentar dominar minimamente a técnica de alguma coisa que me atrai. Porque, como já disse e redisse, in principio erat technica. Por exemplo, há algum tempo, eu que me gabava de dominar bem a cozinha chinesa (por leitura, ensaio e contraprova), dei por mim como ignorante da japonesa, a que hoje me rendo muito mais. Comprei livros, gastei montes de coisas - até simples arroz! - para irem para o lixo até me parecerem sairem-me bem. E para quê? Obviamente que não para fazer cozinha japonesa - vou a um bom restaurante, ai, faliu o Aya! - mas para me sentir a dominar minimamente a respetiva cozinha de fusão, coisa muito séria e que muito me desafia mas que vejo frequentemente reduzida a brincadeira de niguelas.
Mas a técnica, senhores! Acreditem que nunca escrevo nada neste espaço sem muitas horas de correção do que invento, porque há muita imaginação que não resiste à prova dos nove. Acho piada a algumas coisas inventivas que leio em alguns blogues, apesar de tudo diferentes de outras inconcebíveis que se limitam a ser cópias ou “adaptações” de tias do que leram na revista do cabeleireiro. No entanto, o meu traquejo dá-me para ler e pensar que o homem não testou bem isso, não vai sair grande coisa, ou então gostou para si mas não testou para maior público. Ou que saiu coisa jeitosa de cozinha caseira, desculpavelmente rústica, mas daí para cozinha erudita…
Ainda hoje, em almoço de família, uma matriarca boa cozinheira se espantou por a morena dizer que, há uns sábados atrás, quatro de seis experiências nossas de sopas, divertidas mas ingloriosamente trabalhosas, tinham ido para o lixo e que nos tínhamos divertido imenso com isso, fim de semana hilariante. “Porra, que porcaria, quem diria!”. E eram simples sopas, aparentemente muito criativas. Para o lixo. Claro que não eram sopinhas de legumes. Quanto tempo demora a afinar um prato num triestrelado?
A minha última maluqueira é a cozinha de “cocotte”. As horas que me tem custado! É excelente, na minha vida de cozinha a dois, ternura de olhos nos olhos, sabores de comida a temperarem só ligeiramente outros sabores de vida muito mais importantes. A coisa essencial é um pequeno pote individual, hermético, a ir a banho-maria. Compram-se em lojas especializadas, mas há alternativas. Frascos de iogurteira, por exemplo. Hoje, pequenos boiões de conserva, com o seu típico fecho, de que despejei o bom conteúdo de foie gras. Vejam a figura. 
Não vou dar receitas, porque, nestas minhas experiências, já vão por muitas dezenas. Vou por regras gerais. Recomendaria uma visão de prato de cocote em três andares. No fundo, alguma coisa sólida mas porosa, a recolher os sucos do que vem de cima. Qualquer coisa absorvente, tosta esmagada grosso, umas migas soltas, broa, um estufado de legumes concentrado, recheio de alheira ou outros enchidos, "corned beef" desfeito, cubos de presunto, atum desfeito grosso, cebola picada muito grada e ligeiramente refogada, muito mais.
O andar do meio é semi-mole. Queijos, pastas, iogurtes, legumes moles, mariscos, conservas. O de cima é o que dá suavidade ao conjunto. Mais banalmente, um ovo, a semicozer com o resto da cocotte em banho-maria. Se não ovo simples, então, muito bem, de codorniz. Também qualquer outra coisa mole, creme de queijo, aveludado grosso de qualquer caldo, tomatada, tempero com ervas, derivados de maionese.
Façam as contas. Indiquei cerca de 6 escolhas por andar. Em cálculo combinatório, três andares, é 6x6x6=216. É muita escolha!

E ainda fica outra coisa, mas esta é mesmo malandrice de gourmet. Que tal soprarem um bom fumo de madeira de árvore de fruto (mas não madeira resinosa) para dentro do frasco, antes de o fecharem? É preciso ter o aparelho fumigador, já é requinte. Isto é só gozo com quem acha que eu sou injusto e sobranceiro para com as tias da blogosfera culinária.

3 comentários:

  1. Olá
    Ao cozinhar em banho-maria, a água pode ferver? Ou a cozedura é lenta e a baixa temperatura?
    Obrigada!

    Há uma italiana que também cozinha em cocottes, mas usa a máquina de lavar a loiça para cozer a baixa temperatura, chama-se Lisa Casali

    http://abramabocaefechemosolhos.wordpress.com/tag/lisa-casali-cozinhar-maquina-lavar-loica/

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    1. Por definição, num banho maria a água no banho, isto é no recipiente exterior, está a ferver. A temperatura, assim, é sempre de 100º, esteja o lume alto (a gastar mais gás) ou baixo. A temperatura do que está no banho é sempre mais baixa (princípios da termodinamica).

      No entanto, com treino, nem sempre é preciso usar o banho maria. Por exemplo (coisa que não aconselho a principiantes) faço perfeitamente um molho holandês diretamente à chama. É preciso controlar muito bem o lume. Melhor ainda, ter regulado especialmente, para menos, a saída da boca mais pequena do meu fogão.

      Outra coisa, que também tenho, artesanal, oferta de engenheiro, são dispositivos de banho com termostato, que se mantêm a temperatura constante. Posso, por exemplo, cozinhar a vácuo um lombo de peixe, a 60º, por exemplo. Fica uma delícia.

      Obrigado pela referência. Vou visitar esse blogue.

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  2. Esses dispositivos devem ser uma espécie de roner em casa. Dava um jeitão, antes de ontem estive mais de uma hora à volta de uma panela para manter a 65ºc um lombinho de porco em vácuo
    Obrigada eu pela referência neste blog que descobri e tenho tido o gosto de ler, fico contente que tenha gostado do meu!

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