sábado, 30 de julho de 2011

Qualidade/preço

Nos tempos de crise que se vivem, esta questão é crucial. Como é compreensível, não se põe tanto a nível do restaurante de esquina, familiar, onde se vai comer o trivial, em que quase tudo está nivelado por uma aceitável mediania, de qualidade e de preço. Mas afinal, vista do outro lado do binómio, é onde a questão é afinal desafiante, na prática, porque é a este nível que, para preços correntes, se encontram verdadeiras surpresas, especialmente em termos de qualidade, genuinidade, esmero de cozinha tradicional ou regional.
Pior é quando se passa para restaurantes com pretensões, com chefes desde o indiscutivelmente renomado até ao diplomado ignoto num curso ignoto de hotelaria/cozinha e preços a atirar para os 40 euros por pessoa, pelo menos. Neste nível, a norma de preço corresponde a uma enorme e inaceitável variação na qualidade.
Há os que, indiscutivelmente, merecem o preço, á volta de 50-60 € por pessoa. A lista seria longa, mas creio ser de justiça destacar os meus indiscutíveis na zona de Lisboa: Valle Flôr, Eleven, Guincho, Feitoria, Panorama-Sheraton. Depois, outros de adaptação inteligente à retração do mercado, também com redução do preço, a descer para os 70-80 €, até menos. As boas “tascas” de Sobral e de Miguel Castro e Silva (não fui ainda a outras hoje na moda) ou as propostas muito sensatas de almoço simples, em conta, ao dia de semana do Vin Rouge ou do Assinatura, ao preço inconcebível de menos do que 20 €. Com a mesma perspetiva, os restaurantes laterais aos de topo, como o Mensagem no Altis Belém, com equivalente imaginação e esmero de confeção e serviço, mas com menor exigência de qualidade dos  ingredientes - e preço (50 € por refeição bem alargada e regada).
Inaceitável é o caso de restaurantes onde se paga o mesmo ou quase por má cozinha e serviço mediano. E, no entanto, têm clientela, nem que vá enganada como eu ontem. Ou porque tiveram nome, ou porque estão bem situados com boa vista de rio ao pôr do sol ou sei lá porquê. A linha de Cascais é um bom exemplo, mas atenção, senhores restauradores, a galinha dos ovos de ouro não dura sempre.  Um dia destes falarei de dois restaurantes que não me deixam saudades, o Gordini e o Peixe na Linha. Não digo mais porque só será justo fazê-lo em nota crítica fundamentada.
Ontem fomos a outro, o Praia Café. Já lá comi bem, há bastantes anos. Da última vez, há cerca de dois anos, fiquei com má impressão, mas ontem estava à mão. A lista é banal, com a coisa ressaltante de, à beira mar, valerem mais as carnes do que os mariscos e peixes. "Couvert" de restaurante de bairro, broa e pão de trigo vulgar, queijo fresco, presunto, manteigas em pacote. Como entrada, só experimentámos camarões com aroma de alho e com cogumelos. Como pratos, bacalhau com morcela e cataplana de carne de porco preto com amêijoas.
A marca do chefe é a mão pesada. Tudo exagerado de confeção e sabores. O camarão de entrada com aroma de alho e cogumelos não vinha só com aroma de alho, tresandava a alho frito de mais e coentros. O bacalhau até estava relativamente bem feito, suavemente cozido, apesar de vulgaríssimo bacalhau norueguês (cura amarela, senhores!), mas a morcela deu cabo dele. A carne de porco com amêijoas não beneficiou em nada da cataplana, coisa para turistas ou para cozinha de convecção de calor forte, que tem muito que se lhe diga. Sabor a carne de porco e amêijoas só adivinhado de entre os sabores exuberantes a alho, bacon, chouriço, pimentão e coentros. Será que o chefe acha que isto é “nova cozinha alentejana”? Depois, sobremesas banais, mas razoavelmente bem feitas.
Com um copo de Cartuxa, uma coca e dois cafés, 75 €. Não justifica.
Serviço simpático, à brasileira, mas com pouco profissionalismo, como é natural em relação a estes empregados de mesa sem escola que estão agora a aprender a tarimba com muita dedicação e esforço louvável. Exceção para a chefe de mesa que me pareceu experiente, atenta e criteriosa.
Não volto lá e não recomendo.


P. S. (2.8.2011) - um amigo de um amigo de um meu leitor, ao fim não faço ideia de quem, achou que a minha crítica era "uma diatribe exagerada". As credenciais que consegui obter deste meu crítico é que vai muitas vezes a restaurantes. Claro que não basta. O que foi afinal a minha crítica? Apenas que o chefe tem mão pesada para os temperos, que não tem o sentido da subtileza dos sabores. É uma diatribe? Este consumidor gosta de pagar 40 € por comida de tasca? É o seu problema.

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