A gastronomia hoje é um mundo, tão grande como o mundo. Quem a pode dominar? Depende do rigor dos autores. Há quem o limite ao que sabe, por conhecimento de infância, estudo ou prática. Escreve Miguel Esteves Cardoso no Fugas, do Público.
“Nos Açores mas, sobretudo em São Miguel, existe o maravilhoso hábito de comer o queijinho fresco com pimenta da terra — uma massa de malaguetas suaves, que só eles têm e sabem preparar, que é o piri-piri mais delicioso e aromático do mundo. A melhor é a caseira porque as versões em frasco tendem a ser salgadas de mais.”
É difícil escrever tantos erros ou imprecisões em tão curto texto. Todo o texto anterior do artigo fala de queijo fresco de ovelha. Este parágrafo fará pensar que é também o queijo fresco nos Açores. Sempre foi de cabra (“quêje de cóbra”), embrulhado em folhas de conteira e excelentemente a ir com bolo lêvedo. A brucelose obrigou à mudança para queijo fresco de vaca, que não era tradicional, mas que, muito bom, é o que hoje mais se come nos Açores. E se formos à descrição de forma, até ela é desleixada no tal parágrafo. O queijo fresco de ovelha, no continente, é tradicionalmente um cilindro alto e estreito. Dificilmente se pode qualificar como queijinho um queijo fresco como o micaelense, achatado e com cerca de 10 cm de diâmetro.
Comido com massa de malagueta? Admito que MEC, ao falar do “maravilhoso hábito” - com que concordo - não esteja obrigatoriamente a considerá-lo tradicional. E não é. É invenção recente de restaurantes e pequeno almoço de hotéis. Nunca foi coisa da mesa da minha meninice e dos meus amigos, o que não quer dizer que não seja bom.
Abrindo parênteses, é como a "tradicionalíssima" (?!) morcela com ananás, coisa recente que alguém inventou quando os madeirenses inventaram juntar banana ao peixe espada. É bom, mas deixemos em paz respeitosa a tradição, que aqui não é tida nem achada.
A malagueta não é um piripiri. Quem sabe de pimentas de género capsicum não diz uma barbaridade destas. Há centenas de espécies e variantes, das quais o piripiri (gindungo em Angola) é apenas uma. A malagueta açoriana (essencialmente micaelense), provem da costa da Guiné (dizem as crónicas que do Benim) e é uma das malaguetas grandes, achatadas e com baixo índice na escala de picante de Scoville, como a da Caiena. O piripiri é uma pimenta/malagueta pequena, muito picante e com sabor pouco vincado, vulgar na África sub-equatoriana e na Índia.
Ao contrário do que escreve MEC, caseira e industrial não diferem em picante e em sal só por isso, mas pela forma como se faz (tirar ou não as pevides, mais ou menos tempo a curtir, lavar mais ou menos depois da salmoura). Há industriais muito suaves, há caseiras de quem gosta delas rústicas e muito fortes.
(Editado, 1.5.2012)
Já deixei de ler o MEC... não tenho paciência e nesta matéria apetece chamar-lhe, por vezes, inculto ou criança mimada!
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