Já que escrevi sobre a malagueta, não pode ficar esquecida outra coisa essencial da cozinha açoriana, a açaflor, com a corruptela popular de açafroa. Salvo algumas referências que conheço ao seu uso, raro, no Alto Alentejo, é caracteristicamente açoriana. Mais generalizadamente açoriana, em todas as ilhas, do que a malagueta que reina mais é em S. Miguel.
O açafrão de luxo é o que se cultiva em Espanha e é essencial para uma boa paella. É de luxo como se vê pelo preço, por exemplo no Corte Inglês. É oferta muito significativa que me trazem amigos espanhóis em visita à minha casa. A planta é o Crocus sativus, provavelmente originária da Ásia central e hoje cultivada em toda a orla mediterrânica, no “maquis”. Só se aproveitam os estames.
Passando o para o outro extremo, há o açafrão indiano, açafrão amarelo, curcuma, turmérico ou gengibre amarelo. É o moído do rizoma seco de uma planta completamente diferente, Curcuma longa. É da família do gengibre e é um ingrediente essencial do chamado “pó de caril”. Dá muita cor mas em sabor é rústico, grosseiro. Barato, invadiu toda a nossa cozinha de paellas aldrabadas, sopas de peixe, açordas, arroz de marisco.
A meio caminho, mas para mim muito mais próxima em qualidade do açafrão valenciano, a açaflor açoriana. Como o grande açafrão, é produzido de flores, não de sementes, mas, ao contrário do açafrão "rico", é de toda a flor, pétalas secas incluídas. A flor é de cártamo, ou açafrão bastardo (Carthamus tinctorius). Começou por ser uma planta de tinturaria, impôs-se depois na cozinha açoriana. Depois de secas ao sol e trituradas as flores, resultam uns pequenos fios, avermelhados. Têm sabor forte mas elegante, incomparável com a rusticidade do açafrão indiano.
Vende-se nas lojas açorianas em Lisboa e, com fartura (e a preços cada vez maiores), nos supermercados açorianos. Tem diversos usos nas cozinhas das ilhas. É essencial para todo o tempero de peixes, em sopa ou nos molhos, como o de salsa verde, que vão também com marisco cozido simples. Na Terceira, entra no molho de unha com que se comem as favas, nas tabernas. Também na fava rica micaelense, muito diferente. E, principalmente, nos “todolos tamperos” micaelenses, que entram em quase tudo da cozinha da ilha, açafroa mais colorau, cominhos, erva doce, pimenta preta, cravinho.
Uma preciosidade, como uma vez escreveu um amigo meu, em memórias de infância de pé descalço. Com a féria, ia-se à mercearia e, feitas as contas, sobravam uns tostões. “O que é que queres de troco?”. “Tamperos!”. Era quase moeda. Ai, as minhas ilhas!
NOTA - Mais uma vez, aqui vem à baila a relação Açores e Alto Alentejo, mesmo alto, zona de Portalegre, Nisa, Castelo de Vide. As relações são manifestas, na onomástica e mais nos nomes de família, nos costumes, na música, na cozinha, na arquitetura de poder, na pronúncia. No entanto, nada nas velhas crónicas insulares, desde logo na principal, as "Saudades da Terra", de Gaspar Frutuoso indica uma origem privilegiadamente alto-tejana do povoamento dos Açores, em particular de S. Miguel. Quando Frutuoso cita a origem dos povoadores mais notáveis, é do Minho ao Algarve. Muito provavelmente, as ilhas foram povoadas por gente aventureira de todos os cantos do país, numa mescla que hoje faz delas um miniálbum de todo o Portugal medieval. A relação com a tal zona da região de Portalegre é mais provavelmente inversa, do seu repovoamento por milhares de micaelenses, em tempos de Pina Manique.
NOTA - Mais uma vez, aqui vem à baila a relação Açores e Alto Alentejo, mesmo alto, zona de Portalegre, Nisa, Castelo de Vide. As relações são manifestas, na onomástica e mais nos nomes de família, nos costumes, na música, na cozinha, na arquitetura de poder, na pronúncia. No entanto, nada nas velhas crónicas insulares, desde logo na principal, as "Saudades da Terra", de Gaspar Frutuoso indica uma origem privilegiadamente alto-tejana do povoamento dos Açores, em particular de S. Miguel. Quando Frutuoso cita a origem dos povoadores mais notáveis, é do Minho ao Algarve. Muito provavelmente, as ilhas foram povoadas por gente aventureira de todos os cantos do país, numa mescla que hoje faz delas um miniálbum de todo o Portugal medieval. A relação com a tal zona da região de Portalegre é mais provavelmente inversa, do seu repovoamento por milhares de micaelenses, em tempos de Pina Manique.
Eu tinha duvidas e este artigo é bem esclarecedor..Muito obrigada!
ResponderEliminarEste é um condimento entre muitos aromáticos, que produzo nas minhas hortas. Desde meu falecido pai que produzimos o açaflor, para gasto de casa e oferecer a amigos mais íntimos. Dá uma trabalheira desde a sementeira até à colheita. Nesta data e hoje inclusive colhi cerca de 80g. Para mim quase todo o peixe leva o açaflor e porque sou Açoriano e Terceirense.
ResponderEliminarOnde se arranja semente de açaflor?
ResponderEliminarSemente mesmo? Lamento mas não faço ideia. Nunca vi em casas de sementes, mas pode-me ter escapado.
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