quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Abrótea

A abrótea está para os Açores como a pescada para o continente. Pescada é coisa que só recentemente lá chegou, com a globalização e a Pescanova. Peixe para todos os usos era a abrótea (Phycis phycis). Em contrapartida, só por cá apareceu há uma dezena de anos, pescada na costa europeia ou no Mediterrânio, águas muito diferentes das açorianas; frigorificada largos dias, vendida já adormecida. Não sei se por isto ou se por ser variedade diferente, não tem qualquer comparação com a abrótea açoriana. Quantos amigos já me desdenharam cá a abrótea, para virem rendidos depois de uma viagem às ilhas. Também raramente a compro cá, não sou masoquista.
Nos Açores, a abrótea serve para tudo, menos para assar. Forma bem diferente de a comer, em relação à pescada, é cozida. O peixe é pouco grosso e menos duro, por isto não dá para cortar em postas. Tipicamente, compra-se à medida da família, coze-se inteiro e serve-se aos pedaços de lombos, o que é facilitado porque lasca muito. Dá muito bem, também inteiro, para cozer ao vapor, numa peixeira. Cada pessoa faz a sua receita, como eu, mas, no essencial, é cozimento em vapor de um caldo de legumes variados, obrigatoriamente cebola, alho e tomate, mais salsa e outras ervas. É de boa norma culinária coar este caldo e engrossar com gemas de ovo e limão, mas isto é coisa minha, não muito vulgar lá nas minhas ilhas.
O outro grande preparado local de abrótea são os filetes. Nem digo nada! Como estou a escrever isto em honra dos que agora vão a férias aos Açores, digo apenas: comam-nos e depois digam se há coisa igual. E com simples batatas cozidas e uma salada simples não muito temperada (mais à moderna, com legumes salteados), porque lá não é tradição comer filetes com arroz.

Nota - Mas filetes de pescada com arroz comi eu há dias, muito bons, num modesto bar de praia, em S. Amaro. Passo pelo arroz sem dizer muito: era de tomate e pimentão, estava bem temperado mas isto de agora se pensar que o agulha é que é requintado é grande asneira. Os filetes é que sim. O patrão disse-me que eram congelados, o que me surpreendeu. Afinal, o que ele queria dizer é que tinha comprado peixe bem fresco, preparado os filetes e congelado, dois ou três dias antes. É o que também faço em casa. Desafio alguém a notar a diferença para fresco. O polme bem feito, os filetes na fritura certa, bem escorridos, estaladiços. Dá-me gosto elogiar um sítio simples onde comi bem por 8 euros.

Continuando com arroz, agora outro almoço, ontem, numa marisqueira famosa onde nunca tinha ido, "Viveiros do Atlântico", um pouco além Ericeira. O lavagante simplesmente cozido soube muito bem. À margem, para ir tirando com garfo sem misturar com o bicho, um excelente arroz de marisco, rico, no ponto, cremoso. Roubei aos convivas da sapateira uma tostinha com um bom recheio de "caca", simples, estilo molho cocktail mas muito bem feito. Mas não há bela sem senão: excesso de piripiri no arroz de marisco. "Os clientes gostam!". Que peçam e ponham na mesa, o restaurante é que não deve condescender com esta coisa que desvirtua tanta cozinha tradicional e que é um dos mais medíocres sinais da passagem por África da guerra de muitos cozinheiros banais. Ainda por cima, o piripiri, ao contrário de muitas outras malaguetas, como a açoriana, quase não tem sabor, e só picante. Eu já comecei a habituar-me a debitar a minha lista de recomendações do que não quero, avisando quando encomendo um prato. Até piripiri e mostarda nas amêijoas à Bulhão Pato ou picante a arder em tripas comidas mesmo no Porto!


Nota 2 - Mas lá tive de dizer o que agora me acontece sempre em restaurantes vulgares, quando encomendo vinho branco: "quero em copo". É que de repente veio a moda, "low class", do vinho branco servido em "flûte". Porque mantém mais o frio, disseram-me. Tolice de quem não tem de saber de termodinâmica. A "flûte" é boa é para manter o gás, quando o vinho, como o champanhe, não precisa de espaço para respirar, antes pelo contrário. E ao meu lado houve quem tivesse provado o vinho branco banal na tal coisa agitando-o e cheirando a boca da "flùte". Assim se fazem as cousas... Já agora, isto da encomenda de vinhos no restaurante dá-me gozo. Vejo quem faça todo um cerimonial quando lhe dão o vinho a aprovar (reparem bem: aprovar, não provar!), como se fosse concurso de escanção, e que dizem tontices pretensiosas ao empregado que nem tem de saber de vinhos, num restaurante mediano. Tudo o que se pede nessa altura é que o cliente aprove o vinho, certifique que ele não está passado, com rolha ou com turvação. O resto, aroma, paladar, fim de boca, abertura e mudança enquanto se conversa, é para divagar com os convivas, não é para exibição parola ao escanção. Mas também já vi empregados a olharem-me desdenhosos quando me limito a ver se o vinho está ou não em condições.

1 comentário:

  1. "Roubei" uns paragrafos do texto porque gostei do que li.
    Convido-o para o GRUPO do facebook - https://www.facebook.com/groups/847380135299884/ onde gostaria que transmitisse as suas experiências sobre enologia.
    Um obrigado e um Bem Haja.

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